O avaliado

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 18/10/2025
Horário 04:30

Na condição de avaliado, o sujeito sentia-se oprimido pelas formalidades inerentes ao processo discricionário a que as circunstâncias o colocavam. Os avaliadores, por sua vez, pareciam tranquilos, muito embora desejassem, se fosse possível, massacrar o coitado, como sempre faziam, em semelhantes ocasiões. Dispostos em volta da enorme mesa redonda, procuravam olhar o candidato do alto de suas vaidosas posições, encurralando-o com olhares perscrutadores, embora fossem gentis. As perguntas, dentro de temas variados, eram feitas em blocos, mais ou menos assim: 
__ Como tem sido suas noites mal dormidas? Sente-se bem diante de tantos disparates que se avolumam em nossos cotidianos, causados por vossa senhoria?  Percebe o mal que suas atitudes causaram e ainda causam aos seus semelhantes? Pensa mesmo em modificar sua dieta vegetariana? Não entendeu ainda a importância de manter-se, como todos, atualizados nos últimos acontecimentos? Possui opinião formada a respeito dos 377 temas que foram repassados a vossa senhoria? Poderia desfazer-se de seus bens, imediatamente? Gostaria de viver outra vida, caso fosse possível? Por quais razões o senhor desertou do serviço militar? Teria algo a dizer acerca daqueles acontecimentos que tiveram lugar em 1997? 
Atônito, o avaliado não podia notar os absurdos que tais questões representavam, e na sua cândida inocência, permitia-se a tentar responde-las, uma a uma, muito embora, de maneira desordenada, como se segue: 
__ Bem, caros e nobres senhores, em minha defesa, devo dizer, se me permitem a deferência inicial, que vossas senhorias me parecem serem dotados de total razão no que diz respeito ao teor de semelhantes questões, no entanto, se me derem licença para proferir algumas palavras em minha solene e parca defesa, creio existirem alguns equívocos nessas perguntas, se assim permitirem que eu o diga. Vejam, tenho procurado, e os demais podem ser testemunhas, não incomodar os transeuntes dessa rica e iluminada cidadela, de modo que se não dispenso a atenção que julgam merecer, o faço diante dessa obrigação de não ser incomodo. Por outro lado, tenho dormido bastante bem, desde a tenra idade e não vejo, em minhas atitudes comezinhas razões para semelhantes disparates, que agora me dispensam. Bem, tenho buscado equilíbrio nutricional e me parece fora de propósito que toquem em temas dessa natureza, em ocasião tão formal como a que agora nos encontramos.  De todo modo, devo confessar meu desconhecimento a respeito de questões, digamos, “atuais”, haja vista, como o sabem, a natureza da minha profissão. Apesar de compreender as imaginárias necessidades que levam as nações a possuir aquilo que normalmente chamam de forças armadas, não entendi, naquela ocasião, como eu poderia contribuir. Por fim, devo alertá-los que os referidos acontecimentos que tiveram lugar no final do último milênio já não fazem parte do meu rol de lembranças, de modo que não tenho nada a dizer. 
__Vejam vocês, o avaliado agora deu-se ao disparate de ter respostas a questionamentos cuja complexidade ele mesmo não é capaz de aferir, objetivamente! Que audácia! A partir desse momento você está preso!

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