O avaliado II

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 25/10/2025
Horário 05:00

O avaliado quase não compreendera o teor das últimas palavras proferidas em sua direção, podendo apenas vislumbrar a última delas, preso! Que ressoava em sua mente como o estampido de um tiro, trazendo grande indignação e fomentando uma fúria ainda maior do que aquela observada no início da conversação. Recobrando a razão após alguns segundos, respondeu: 
__ Como ousam, nobilíssimos senhores, proferir semelhantes ofensas a minha pessoa? Eu, que como todos sabem, sempre tive conduta ilibada, nessa e em outras oportunidades. Devo dizer, já que caminhamos a passos largos para as vias de fato, ou seja, parecemos dispostos a deixar as convenções de lado em nome da sobriedade de uma conversa franca e despudorada, a respeito, como devem saber, das digníssimas instituições desse grandioso país. 
Parando bruscamente sua fala para respirar e para tomar fôlego durante sua fala, os interlocutores julgaram ser momento oportuno de interromper o avaliado, pedindo que ficasse em silêncio até a chegada dos guardas, pedido ignorado com veemência e estupefação pelo próprio, que seguiu com palavras ainda mais duras: 
__ Eu, inocentemente, julgava com seriedade as instituições de meu país, dando o apreço devido às formas republicanas pelas quais as coisas têm se organizado por aqui desde os últimos dois séculos, pelo menos. Agora, muito me insatisfaz que tenham preocupações tão desmedidas em situações tão sérias quanto as que me encontro, aliás, como as que nos encontramos. Como imagino que devem saber, nós, enquanto sociedade, superamos aspectos, digamos, de ordem privada nas questões públicas e não me parece digno de racionalidade as perguntas idiotas e fora de propósito que me dirigiram. Logo vocês, doutos sabedores de coisa alguma, como ousam interpelar alguém dessa maneira? Pois, em minha legítima defesa, lhes pergunto: Quando trabalharam a última vez? Quando, de fato, lutaram arduamente, de sol a sol, pelo pão nosso de cada dia? Sabem o que isso significa? Trabalho? Sabem o que é isso? Vossas senhorias não parecem dotadas de apreço e relação íntima com atividades laborais, pois me parecem desconhecer o trabalho e sua natureza, não sabem e não são trabalhadores. Vejam vocês, eu esperava muito mais no que diz respeito à inquirição pela qual fui compelido a comparecer. E agora, assim, de supetão, vocês anunciam a privação de minha liberdade apenas por ter considerado suas questões de forma ingênua? Pois me prendam, talvez eu não seja mesmo merecedor de ser livre em semelhante sociedade. 
Um dos presentes, que até o momento não havia dito palavra, interpelou os demais: 
__ Senhores, devo ter perdido parte da conversação ou é possível que não tenha de fato compreendido o que se passa aqui. Estamos aqui reunidos para avaliar a conduta profissional desse jovem trabalhador e me pareceu que suas respostas foram até coerentes com o teor das perguntas a ele dirigidas. Também não entendi e gostaria de explicações a respeito do que levou a esse pedido de prisão, que me pareceu, e nosso avaliado parece concordar, bastante desproporcional e fora de propósito, poderiam, se possível, nos esclarecer a respeito? 
 

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