O bobo da corte

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 15/11/2025
Horário 04:30

Imbuído de sua glória momentânea, o bobo da corte regozijava-se com os afagos que emanavam de toda a audiência que o circundava. Por um momento, parecia até convencer-se de sua arguta importância, de modo que distribuía condecorações com olhares e gestos dignos de respeito. Aparentemente, não era de seu costume perceber quão teatral podiam ser os arraigados hábitos sociais, sobretudo, em seu ofício. A comédia humana dava-se ali mesmo, no pomposo ritual que presenciávamos. 
A certa altura, após receber questionamentos variados a respeito do teor de suas piadas e brincadeiras, próprios de sua faina, é preciso dizer, sentiu-se incomodado, pois atribuíam-lhe uma seriedade discrepante daquela esperada do seu cargo, de modo que essa incongruência soava demasiadamente ofensiva ao bobo da corte. Diziam em tom cerimonioso que de suas piadas, apenas umas poucas eram aproveitáveis e isso o ofendia terrivelmente. Imbuído do sentimento de injustiça, disse o que julgava necessário:
__ Nobres senhores, é com certa insatisfação que me dirijo a essa audiência apenas para comunicar o que todos aqui estão cansados de saber. Tenho me esforçado a cumprir zelosamente meu ofício e se não os faço rir, demasiadamente, é possível que a causa possa ser encontrada no corriqueiro mal humor que vossas senhorias têm demonstrado no reinado de nosso magnífico senhor, rei dos reis, vossa excelência, o augusto P. O privilégio conferido à minha posição tem permitido com que certos acontecimentos desagradáveis possam ser temas de meus gracejos, publicamente conhecidos, de modo que me vejo na difícil condição de achar graça onde ela não poderia, jamais, ser encontrada. A vida, nobres senhores, é bem diferente do lado de fora e me parece que não somos capazes de notar a obviedade inerente a esse aspecto. Quisera eu que estivessem no meu lugar e então entenderiam as inúmeras dificuldades que cotidianamente tenho enfrentado. 
Os ouvintes pareciam não se convencer de semelhantes justificativas e talvez esperassem um posicionamento mais claro diante do absurdo de termos um palhaço sem graça no mais alto cargo do reino. Após alguns comentários e certo burburinho entre os presentes, o chefe do colegiado pronunciou-se da seguinte maneira: 
__ Caríssima corte, não estamos sendo justos e me parece que vossas senhorias não puderam compreender claramente as dificuldades inerentes de ser bobo da corte em um reino em profunda crise, como o nosso. Como poderíamos sorrir e nos congratular diante das tragédias cotidianas que temos presenciado? Nem todos, como nós, podem dar-se ao luxo de divertimentos corriqueiros quando necessidades mais urgentes se fazem prementes. Todos os dias temos visto a dor, a morte e a desesperança e diante de tudo isso ainda esperam boas piadas? Penso até que nosso arguto bobo da corte talvez tenha razão em suas piadas sem nenhuma graça, pois talvez sejam elas reveladoras de nossa condição coletiva de decadência claramente disposta diante de nossos olhos. 
 

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