O conservatório sempre me pareceu um lugar deveras especial, excepcionalmente superior a todos os outros locais, permeado pela harmonia, melodia, timbre, ritmo e outros aspectos da grandiosidade dessa arte que encanta a todos. A música, é claro, está em todos os lugares, em todas as mentes e corações, executada pelas mãos e pelos corpos dos seus frequentadores. A fruição é fácil e gratuita, basta ter ouvidos atentos e abertos ao prazer dos sons que emanam de suas salas de aula.
Sempre achei que os instrumentos musicais tivessem certo ar sobrenatural, como se fossem dados aos homens pelo próprio criador, para que estes possam suportar o peso da existência com mais graça e felicidade que só a boa música pode proporcionar. Em especial, os metais e os instrumentos de corda acústicos são essencialmente obra divina e sempre me pareceu assim. As crianças do conservatório parecem saber disso, pois os tocam angelicalmente com suas mãos pequenas e corações enormes, como anjos. São muitas crianças ali, todos os dias, a semana inteira, aprendendo as músicas que já conheciam de outras vidas.
É de fato, encantador estar ali e isso é facilmente observável na cândida alegria de seus professores, que trabalham felizes, ensinando música. Uns estão sempre sorrindo e cantarolando, muitos, alternam o rigor necessário das partituras com a satisfação de ouvir as singelas notas e acordes que seus alunos tocam, a cada nova aula. É visível a alegria dos pequenos quando conseguem e a satisfação dos mestres em ouvir o resultado. Talvez por isso o clima seja sempre ameno e tranquilo, logo ali, no conservatório.
Mesmo eu, que nunca antes toquei um instrumento, tenho sido tocado pela beleza existencial do conservatório. Chego acanhado, temeroso de não ser um deles, e não sou, mas, tenho sido, aos poucos, um daqueles que emitem melodias e buscam o ritmo a cada nova batida no bumbo, na caixa, no chimbal e nos pratos da bateria. Se o criador deu os instrumentos musicais aos homens, talvez um de seus anjos desgarrados criou a bateria, o baixo e a guitarra elétrica apenas para contrariar o pai. Se o fez, fez bem, pois é dali que emanam o blues, o jazz, o rock e o pop.
Se chego tímido e temeroso, saio a cada aula tomado de uma alegria difícil de descrever. Aqueles 50 minutos valem mais do que a semana toda, apenas porque tenho conseguido, a passos lentos, tocar uma música ou outra, imperfeita, incompleta, mas a cada semana mais próxima da realização de um sonho que talvez, eu nem tenha tido. Sempre gostei da música, mas nunca antes tive a oportunidade que agora o conservatório tem me proporcionado, por valores simbólicos, é preciso dizer. Tocar um instrumento faz da vida algo leve e alegre, e estou impressionado, apesar do tão pouco tempo que sou aluno do conservatório.
Tocado por essa sensação, agora só me vejo continuando os dias se todos os dias eu puder tocar um pouco, da forma ainda imperfeita que sei. Talvez eu pudesse imaginar, mas agora eu sei o que faz do conservatório um lugar tão especial.