A proposta de atualização do Código Civil brasileiro, por meio do Projeto de Lei nº 4/2025, traz à tona um tema cada vez mais presente na vida contemporânea: a herança digital. Em um mundo onde memórias, investimentos e vínculos pessoais são armazenados em plataformas virtuais, reconhecer juridicamente esses bens é essencial para garantir segurança e justiça às famílias.
Hoje, o patrimônio de uma pessoa não se limita a bens físicos. Criptomoedas, arquivos em nuvem, perfis em redes sociais, milhas aéreas e até itens de jogos eletrônicos passaram a integrar o espólio. A ausência de regulamentação específica tem deixado herdeiros em situações delicadas, sem respaldo legal para acessar ou administrar esses ativos.
O projeto busca preencher essa lacuna ao definir os ativos digitais como bens transmissíveis. Isso evita que investimentos em blockchain ou contas monetizadas fiquem fora do processo sucessório, protegendo o patrimônio familiar. Além disso, ao substituir as políticas internas de plataformas como Facebook e Google por normas legais, a proposta traz previsibilidade às decisões judiciais e evita arbitrariedades, como o encerramento de perfis sem consulta aos herdeiros.
Outro ponto relevante é a proteção à privacidade. O texto exige autorização judicial ou manifestação expressa do falecido para o acesso a conteúdos sensíveis, como mensagens privadas, buscando equilibrar o direito à sucessão com o respeito à intimidade.
Apesar dos avanços, a regulamentação enfrenta desafios. O principal é o conflito de jurisdição, já que muitas plataformas estão sediadas fora do Brasil e seguem legislações estrangeiras. A efetividade da norma dependerá de acordos internacionais e da cooperação das empresas de tecnologia.
Além disso, a definição do que constitui herança digital — abrangendo bens de valor econômico, pessoal ou cultural — pode gerar disputas judiciais, dada a subjetividade envolvida.
A regulamentação da herança digital é, sem dúvida, um passo importante. Mas seu sucesso dependerá da capacidade da sociedade de se adaptar a essa nova realidade. É fundamental promover a educação digital, incentivar o planejamento sucessório e ampliar o debate sobre os limites éticos da transmissão de bens virtuais.