Despertei um tanto atordoado hoje. Pensamentos rápidos, descompassados, me impediram de levantar de imediato. Acordei e fiquei lá, os tendo, pensamentos, ideias, memórias. Imaginei outra vida, pensei nela, vivi seus sabores, por alguns momentos. Não havia razões para me levantar, preso, que estou, nessa cela de 3 x 4 metros. Tem sido assim, quase todos os dias, acordo e fico na cama, por até duas horas, antes de ter coragem. A rotina não me é desagradável, contudo, tenho leituras, duas horas de banho de sol e minha própria companhia. Difícil mesmo é pensar em si, nas suas questões, sempre, o tempo todo.
Apesar de preso, tenho privilégios, o maior deles, o de estar só. Não ter horários ou rotina à minha revelia. Às 7 me trazem o pão com margarina barata, o café ralo e o copo de leite. Com o desjejum, me levanto e penso. Meus crimes passam como imagens em meus olhos a todo instante, mas penso mesmo neles à noite, luz apagada e consciência acesa, são momentos difíceis. O pão nunca vem fresco, sempre parece de ontem. Lembro sempre do pão caseiro que comia na infância, quentinho, manteiga derretendo, afagos no cabelo enquanto comia.
Me dão os jornais todos os dias, da data de ontem, o que não me faz diferença, é verdade. Leio os jornalões da elite paulista, escolha do diretor do presídio, é certo. Nisso dispendo umas duas horas, quando vejo, ainda são 9 da manhã. Vejo de tudo ali, só me resta mesmo o saborear da vida, nas letras. Gosto e não fico sem, um dos meus privilégios. Lembro bem daquela viagem que fizemos, Helena e eu, semanas antes de vir pra cá. Gostamos, eu gostei. O caderno de esportes parece a repetição dos mesmos dados, estatísticas vazias que não me preenchem. O “cotidiano” me apraz, me faz lembrar da vida lá fora.
Às 10 posso sair para o banho de sol. Corredor cumprido, tela de arame no céu. Ando, às vezes, outras vezes só fico ali, mudando de posição a procurar pelos raios solares. Quase nunca falo, fico dias sem dizer palavra. Quando estou bem, falo com os guardas, que parecem gostar da minha prosa. Trivialidades, é verdade, mas pelo menos escuto minha voz. A solidão do cárcere pode ser massacrante, ao que chamam de ressocialização. Piada pronta, diariamente. A única coisa é essa, o tempo, muito tempo, para leituras e pensamentos. Dispender dele, do tempo, parece ser outro privilégio, mas é, em realidade, tortura.
O almoço é sempre triste, como o jantar, comida rala e rememorações. Às vezes consigo pensar nos personagens, nas leituras filosóficas, mas quase sempre penso no estar ali, sobrevivendo. Algumas vezes me conforto ao perceber que presos estamos todos, em nossas vidinhas de sempre. Pode ser, melhor mesmo seria estar livre, é claro. Mas preso continuo vivo, como todos. É preciso ser sábio para ver as coisas assim, como elas são. A vida pode ser uma prisão para aqueles que estão livres, também. Eu estou preso, mas minha mente vaga livremente pelos pensamentos e leituras, reflexões e angústias e dores de um homem inocente