É comum ouvirmos alguém dizer que certo fato é “objetivo”. Mas será mesmo?
Quando olhamos para as ruas de Presidente Prudente, São Paulo ou Buenos Aires, é observável que há pessoas vivendo em situação de rua. Ainda assim, muitos não veem. Uns reduzem essas vidas a números em estatísticas; outros, marcados por preconceitos, enxergam apenas “perigo” ou “ameaça”. A realidade observável se torna invisível, filtrada por imaginários sociais que moldam nosso olhar coletivo.
Esses imaginários não são invenções individuais. São construções históricas, heranças da modernidade, que nos ensinou a buscar sempre o “mesmo”: o que se repete, o que se encaixa em padrões. Tudo o que escapa a essa lógica do “uno” — o diverso, o incômodo, o marginal — foi colocado deb’aixo do tapete.
Mas o presente nos pede outro olhar. Em vez da árvore com tronco único e raízes profundas, talvez nossa sociedade se pareça mais com um manguezal: caótico, fértil, cheio de galhos tortos e até de bichos estranhos. Não é a beleza hegemônica que nos serve de guia, mas a vitalidade da diferença.
Desarmar os imaginários que naturalizam a exclusão é tarefa cotidiana. Significa, muitas vezes, simplesmente não deixar passar. Fazer uma pergunta incômoda, abrir uma fresta, negar-se a aceitar como “natural” a invisibilidade de quem está ao nosso lado.
A política não se resume às eleições ou aos discursos grandiosos. A micropolítica da vida cotidiana é tão ou mais importante: é no dia a dia que se decide o que vemos, o que não vemos, e quem permanece fora do campo do visível.
Entre árvores e manguezais, a escolha está diante de nós: seguir repetindo o mesmo, ou aceitar o convite da diferença para atravessar o espelho — ainda que do outro lado encontremos desafios e não apenas maravilhas.