O taciturno III

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 03/05/2025
Horário 04:30

A eloquência com as palavras, demonstrada no pequeno recado, como sempre, aliás, não comoveram os colegas de trabalho do taciturno, que continuavam muito mais interessados em seus próprios interesses do que propriamente na vida do nobre colega. O forçaram, então, a se consultar com o melhor psicanalista da cidade, afim de fazê-lo falar e dirimir todos os inconvenientes dali advindos. 
Chegado o dia, nosso curioso personagem compareceu pontualmente à hora marcada, no luxuoso consultório, no centro da cidade. Mesmo não se comunicando por palavras à boca, sabia ser bastante educado apenas com sorrisos e gestos comedidos, de maneira que se apresentou e aguardou ser chamado. Enquanto isso, pensava em quanto aquilo pareceria ridículo, mesmo a si, que pouco se importava com certas convenções. O que o preocupava era que achassem, ainda que por um segundo, que fosse como os demais ali naquela sala, ingênuos crentes no poder de cura de semelhantes ciências. 
Depois de algum tempo, que passara rápido, foi chamado à sala. O psicanalista levantou-se para lhe dar a mão, que foi correspondido, e foi logo se explicando que já fora informado do caso, de modo que não aguardava resposta, antes disso, tinha um tablet à mão, que passou ao taciturno, para que esse pudesse se expressar. Nosso personagem recusou e tirando um bloco de notas e caneta dos bolsos, escreveu: Obrigado pela preocupação, mas preferiria escrever à mão. 
O psicanalista não se viu espantado, muito embora não estivesse esperando semelhante comportamento. O taciturno sentou-se, ao mesmo tempo em que observava detidamente o homem à sua frente. Jovem, talvez com 38 anos, parecia, à primeira vista, bastante inteligente, mas, observação detida seria capaz de revelar certas manias e olhares reveladores de certas anormalidades, isso, aos olhos de nosso personagem. Esse cara não me parece estar operando a 100% de sua capacidade racional, pensou de forma sorrateira. 
___ Então o senhor veio ao meu consultório, pois, à primeira vista, tem manifestado dificuldade em se comunicar com os colegas de trabalho? É isso? Fui informado ainda que essa condição já ultrapassa 20 meses, gerando inconvenientes, mesmo que seu trabalho esteja sendo realizado a contendo, ainda que com certos atrasos, devido a essas peculiaridades. Entendo que, talvez por desconhecimento, o tenham trazido até aqui para que pudesse se curar, falando o que o aflige, está correto? 
O tacirturno apenas meneava a cabeça para cima e para baixo para concordar, mas com semblante impassível, é preciso dizer. Pois bem, para que o tratamento surta algum efeito, imediato ou tardio, você vai precisar falar, de uma forma ou de outra. Estou disposto a trabalhar com esses subterfúgios, como o tablet ou seu bloquinho, muito embora já enxergue dificuldades no processo desde já. Nossas sessões terão uma hora de duração e vamos precisar otimizá-las, então pensei que talvez o senhor pudesse redigir e expor nos textos suas queixas e questões e durante as sessões eu poderia comentá-las e quem sabe o direcionar às reflexões necessárias que o senhor precisa fazer de maneira superar essa dificuldade que enfrenta. 
 

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