Odoyá, minha mãe 

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 04/02/2024
Horário 07:14

Apesar de morar mais de 600 quilômetros de distância do mar, eu tenho uma relação umbilical com o mar. Eu preciso enterrar os meus pés na areia da praia alguma vez durante o ano! Talvez seja por isto que eu sempre procurei viajar nas férias para o litoral. Quando minhas meninas eram pequenas, teve de tudo: acampamento em Parati, temporadas na casa da Tia Vivi no Rio de Janeiro, e longas viagens de carro até a Bahia (com direito à paradas pelo caminho, especialmente, Vitória do Espírito Santo). Sim, porque praia mesmo é na Bahia, não é mesmo?  
Há um oceano dentro de mim. Fiz muitos passeios de barco: veleiros, escunas, traineiras ou barcos pesqueiros. Ensaiei alguns mergulhos em águas profundas. Me atirei de rochedos e até mesmo atravessei de caiaque uma laguna repleta de águas-vivas (lembra-se, Vela?). Eu guardo conversas com os ventos marinhos e suas minúsculas gotículas que massageiam nossa face e exalam perfumes dos mais sutis…Seriam as ninfas oceânicas coroadas de flores? Ou Olokun, o poderoso senhor das águas profundas, com seus segredos do passado e do amanhã? 
Pensando com calma em tudo isso, o meu lugar no mundo é na beira mar! Dali eu caminho pela praia até a foz do grande rio. Olho para bem longe e lembro de meus amigos que se conectam com o mundo a partir de outros mitos fundadores nos quais a água exerce o papel de fundamento da vida, do mundo, de um povo. Dizem que no universo aquático amazônico habita o boto e a cobra grande. Para outros a referência das águas são daquelas que escorrem lá das montanhas, que nascem da fonte onde a água surge modelando-se ao percurso do leito de um rio. O murmúrio das águas é a voz dos ancestrais. São águas que borbulham, fervilham, remexem, provocam um reboliço na imaginação.
Mas não adianta… Nada me conecta mais com o mundo do que a beira mar. Me fascina esta zona de transição, nem tanto terra, nem tanto mar, onde estabelecemos nossas primeiras experiências marinhas. Quem nunca correu atrás de algum pertence quando a mudança da maré invade e recua? Quem nunca se divertiu com as peripécias da Dona Maria Farinha antes dela se esconder na sua toca na areia? Lembram-se Paulinha e Júlia? Vocês colecionavam conchinhas ou apetrechos ofertados pelas ondas do mar. Fragmentos de lembranças, ciclo sem fim. 
Na mitologia africana é Iemanjá, a mãe soberana de todas as cabeças, com seu manto azul perolado. Rainha das ondas, sereia do mar. Essa simbiose lendária que foi enaltecida no processo da diáspora africana.  Omio omiodo ya! Odoya, minha mãe!

     

     
 

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