Pandeiro e cavaquinho

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 31/01/2021
Horário 05:00

Tenho profundo interesse pelas expressões musicais brasileiras que combinam e interpenetram ritmos e campos melódico-harmônicos de diferentes matrizes culturais. Superposições politonais quase ruídicas dos tambores dos morros, das ladainhas das procissões, dos repentes e dos congos. E a história que caminhou através da série harmônica do samba e da bossa nova, fazendo pontes entre linguagens aparentemente distantes e inconciliáveis. Viva a liberdade no uso de subdominantes substitutas e camuflagem das funções harmônicas básicas por meio de modulações para tons relativos, vizinhos ou afastados! Salve as métricas aberratórias com acentuação no tempo fraco, assim como a ampliação das harmonias acórdicas das dominantes (nona, 11ª e 13ª maiores e menores)! 
Nenhuma outra combinação entre instrumentos musicais pode representar esta unidade como o pandeiro e o cavaquinho. O pandeiro talvez seja, entre os instrumentos de percussão, o que mais apresenta variações rítmicas. Certamente, não existe um padrão rítmico único determinado para a sua execução. João da Bahiana. O grande Jackson do Pandeiro. Mestre Marçal. Jorginho do Pandeiro. Celsinho Silva. Quanta riqueza numa única nação! 
E o pandeiro, com sua base rítmica fundada na marcação dos tempos fortes, chama o tamborim e outros instrumentos de percussão, abrindo passagem para o canto. Aí não pode faltar o cavaquinho, o principal instrumento de harmonia nas rodas de samba e de choro. Chora cavaquinho! Mas ele se recusa à carreira solo e insiste em dialogar com o pandeiro. Não é por acaso que a condução rítmica é o que diferencia os bons cavaquinistas. Tais expressões musicais causam sensação de ambiguidade e fluidez, de ambientação harmônica vaga e muitas vezes inesperada. E preenchem a minha alma da certeza de que o Brazil não vai destruir o Brasil... ainda que se observe um movimento que tende à ruptura entre massas de públicos completamente desiguais, numa sociedade que banaliza a violência de toda ordem e que não reconhece a alteridade. 
Sim, a música em meus ouvidos persiste em ressoar a unidade da diversidade. Como ensina Martinho da Vila, “é do povo que vem a minha energia, e é pra ele que eu me dou de coração. O sofrimento desse povo me atormenta. Mas sofrendo eu vou cantando porque é minha missão“! A crônica de hoje é uma homenagem ao maior geógrafo pandeirista que eu conheço: Antônio Thomaz Júnior. Está fazendo falta aquela roda de samba com o melhor aguardente do interior paulista. 
 

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