Para complementar renda, sorveteiros mantêm atividade em Prudente

Antenor Gomes Leal e Aparecido Lopes Pinheiro ganham seu sustento há décadas vendendo sorvete de palito pelas ruas da cidade

PRUDENTE - ANDRÉ ESTEVES

Data 22/12/2018
Horário 09:49

Em Presidente Prudente, os aposentados Antenor Gomes Leal, 69 anos, e Aparecido Lopes Pinheiro, 75 anos, vivem rotinas semelhantes. Diariamente, eles deixam suas casas e se deslocam até a Sorveteria Cinderela, na Vila Comercial, onde abastecem seus carrinhos com o produto que oportuniza o seu sustento há décadas: o sorvete de palito. Dali, ambos seguem o seu próprio itinerário. Antenor caminha por algumas das principais vias do quadrilátero central até chegar ao Parque do Povo, enquanto Aparecido cobre as imediações do Jardim das Rosas. Diferente da realidade de muitos, a venda de picolés sob o sol escaldante não começou como um “bico temporário” e nem como uma atividade reservada para as horas vagas. Embora recebam a aposentadoria atualmente e continuem trabalhando para garantir um dinheiro extra, o ofício foi, por muito tempo, a principal fonte de renda dos trabalhadores.

Os dois fazem parte de um time de quatro sorveteiros que vendem palitos para a Sorveteria Cinderela, responsável por 50% dos lucros conquistados pelos colaboradores. Conforme a equipe do estabelecimento, os ambulantes comercializam, juntos, aproximadamente 200 picolés por dia, o que “contribui para o faturamento do local e divulgação do nome da sorveteria”. Antenor e Aparecido fazem os seus próprios horários, mas o expediente padrão é entre 10h e 17h30. No fim do dia, eles devolvem os carrinhos vazios para o estabelecimento e retornam para suas casas. Antenor volta de ônibus para o Jardim Vale do Sol, onde vive com a esposa, Antônia Helena, enquanto Aparecido refaz o caminho a pé para a residência onde mora com o irmão, no Jardim Paulista.

Apesar das altas temperaturas registradas no município, os sorveteiros não reclamam da atividade. Com a venda de picolés, Antenor teve a oportunidade de construir a sua casa e educar suas quatro filhas, Adriana, Valdirene, Vanessa e Vanusa. Com 46 anos de carrinho, Aparecido, por sua vez, vê o trabalho como uma forma de se manter ativo. Em entrevista concedida a O Imparcial, os trabalhadores se mostram homens de poucas palavras. Mesmo com as sucessivas investidas da reportagem, eles são sucintos nas respostas e, para algumas perguntas, se mantêm reticentes, como quando perguntados sobre seus sonhos. Após a conversa, eles encaixam o sombreiro no carrinho, ajustam o chapéu na cabeça e começam, mais uma vez, o itinerário de hábito, com o “tanque cheio” de sorvetes e determinação nos pés.

O Imparcial: Quando e por que os senhores se tornaram sorveteiros de rua?

Antenor: Eu comecei há 35 anos e agora vou completar 70 anos de idade, então, já estou na rua há um tempão. Na época, eu trabalhava como ajudante de cozinha em um restaurante, mas decidi deixar o emprego e pegar o carrinho. Naquele tempo, era uma opção viável. Desde então, ando na cidade todos os dias, exceto segunda-feira, que é o dia que tiro para descansar.

Aparecido: Tenho 46 anos de carrinho. Quando comecei, não havia muito serviço, daí comecei a trabalhar com a venda de sorvetes de palito. Gostei do trabalho e permaneci até hoje, trabalhando de segunda a segunda e só parando nos dias de chuva.

A essa altura da vida, o que leva os senhores a continuarem trabalhando na rua?

Antenor: Mesmo aposentado, o salário que recebo é baixo. Vendo sorvete para inteirar e ter um dinheiro a mais no fim do mês.

Aparecido: Também sou aposentado e quis continuar porque o salário é pouco, então, tenho que complementar a renda. Além disso, caminhar faz bem para os ossos. Me mantenho ativo.

Como funciona a rotina de vocês e qual o itinerário que realizam?

Antenor: Pego o ônibus no Jardim Vale do Sol às 9h30 e chego aqui por volta das 10h. Pego todos os sorvetes do dia e abasteço meu carrinho. Em seguida, ando a [rua] Rui Barbosa, Barão [do Rio Branco] e [Tenente Nicolau] Maffei. Dali, caminho até o Parque do Povo. Esta é a minha área todos os dias, menos na segunda-feira, que é quando eu costumo ir ao centro e resolver compromissos.

Aparecido: Ando mais no Jardim das Rosas, nas imediações do [hipermercado] Muffato. Vou passando e vendendo para quem estiver na rua.

Quantos sorvetes vendem por dia?

Antenor: Nos dias de semana, vendo 50 palitos. Já aos sábados e domingos, consigo passar para frente até 80. Vendemos cada um por R$ 2, seja de fruta ou de leite. É o preço padrão.

Aparecido: No meu caso, depende muito da ocasião e das condições climáticas. Em determinados dias, vendo 40; em alguns, 30; em outros, 20.

Vocês pensam em parar em algum momento ou pretendem continuar enquanto a saúde e disposição permitirem?

Antenor: Enquanto eu aguentar, vou continuar.

Aparecido: Enquanto eu conseguir andar, venderei os sorvetes.

Quais são os principais desafios de ser sorveteiro de rua?

Antenor: O mais difícil é andar sob o sol quente. Para me proteger, tenho esse sombreiro aqui [mostra o guarda-chuva], que encaixo no carrinho. Além disso, uso o chapéu e passo protetor solar. Também tomo bastante água. Bebo quatro garrafinhas dessa [aponta para uma embalagem pet de 500 ml no cesto do carrinho]. Pego água nos bebedouros ou o pessoal das casas enche para mim. Quando chega esse calor, bebo mais de dois litros por dia.

Aparecido: Na minha opinião, são os fiscais, que pegam muito no pé dos sorveteiros. Nas festas, eles chegam a agredir os trabalhadores. Eu mesmo já tive problema com isso no Parque do Povo. Estava vendendo sorvete para um garoto, quando um fiscal chegou e meteu a mão na tampa do carrinho. Ali é um espaço livre. O calor é complicado, mas também uso um guarda-chuva e o chapéu. Já a água eu bebo nas torneiras que encontro pelo caminho.

E como fazem as refeições?

Antenor: Trago a marmita todos os dias e deixo no carrinho. Antes do meio-dia, paro em uma sombra boa entre a [rua] Rui Barbosa e a 15 de Novembro para almoçar. Em seguida, volto a trabalhar. Por onde eu passo durante a tarde, alguém me oferece café ou bolo.

Aparecido: Volto para casa a pé e preparo a minha comida. Depois, retorno para a rua.

É possível tirar um bom lucro desse serviço? Vocês acreditam que, com o passar do tempo, a venda de sorvetes sofreu queda?

Antenor: Temos um trato com a sorveteria, que nos repassa 50% do que vendemos e segura a outra metade para eles. Quando entrei nesse serviço, o sorveteiro ganhava mais. Aos domingos, eu esvaziava quatro carrinhos. Na época, consegui comprar um terreno e construir a minha casa no Vale do Sol. Hoje, eu já não teria condições de fazer isso, porque as coisas estão mais caras e as pessoas ganham menos. Além disso, o sorvete também está mais alto. Já vendi palito por R$ 0,25. Seria inviável comercializar picolé por esse preço atualmente.

Aparecido: Consigo manter uma vida mais ou menos com o que ganho. Em relação ao passado, as vendas diminuíram porque, no começo, não havia muita sorveteria em Prudente. Hoje, há uma em cada canto.

Quais são os sonhos dos senhores?

Antenor: Se eu ganhasse na loteria, iria descansar.

Aparecido: Não tenho sonhos, mas queria que a situação do país melhorasse com o novo governo, pois estamos em um momento difícil.

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