Resenha: “1984” e o Grande Irmão

Aldir Guedes Soriano

CRÔNICA - Aldir Guedes Soriano

Data 11/09/2025
Horário 05:30

Winston Smith, personagem principal do livro “1984,” ficção de George Orwell (1903-1950), tinha diante de si instrumentos antigos de escrita e desafiadoras folhas de papel, em branco. Após semanas de preparação, sacrificando o seu almoço no Ministério da Verdade, o funcionário público estava decidido a escrever um diário. Havia enormes retratos do Grande Irmão espalhados por toda a cidade de Londres, com os dizeres: “O Grande Irmão está vigiando você.” Winston sabia que estava sendo constantemente observado pelos olhos de Monalisa daquele camarada de bigode preto.  
Naquela tarde de outono, Winston entrou em seu solitário e malcheiroso apartamento. Ele passou pela cozinha. Esfomeado, comeu o naco de pão embolorado que seria o seu desjejum do dia seguinte. Almejando uma dose de coragem (Dutch Courage), tomou de uma só vez uma xícara de Gin Vitória (bebida sintética enjoativa e desagradável). Logo sentiu como se tivesse recebido uma pancada de cacetete na nuca. A bebida também o golpeou no estômago, mas em seguida proporcionou-lhe algum alívio emocional.  
Havia um canto no apartamento em que Winston ficava fora do alcance visual da Teletela. Nesse precário refúgio, ele puxou da gaveta o seu esplêndido e raro caderno de anotações. Sobre a mesa havia um frasco de tinta e o arcaico porta-penas. Finalmente, mergulhou o bico de pena na tinta e escreveu o cabeçalho: 4 de abril de 1984. Abaixo, registrou cenas de um filme de guerra, com explosões e braços humanos voando pelos ares. Ao sentir cãibras interrompeu a escrita. Refletiu sobre os Dois Minutos de Ódio vivenciados pela manhã.  O alvo era sempre o inimigo Emmanuel Goldstein. Os minutos de ódio cessaram com a costumeira, hipnótica e histérica adoração ao Big Brother. 
Winston estava aterrorizado ao escrever no diário: Abaixo o Grande Irmão. A simples posse dos materiais de escrita já seria o suficiente para que ele fosse preso, torturado e, por fim, vaporizado, ou seja, varrido para sempre como se nunca tivesse existido. Certamente seria encontrado pela implacável polícia do pensamento. Espiões estavam por toda parte. Crianças doutrinadas espreitavam a fim de denunciar pais e vizinhos. 
O Gin Vitória é símbolo do triunfo do Partido, que, em sua propaganda ostensiva, promete o paraíso na terra, mas entrega miséria, fome, tortura, morte e desolação. O Ministério da Fartura gera escassez e miséria; o Ministério da Verdade reescreve o passado. No prédio do temido Ministério do “Amor,” Winston é torturado até reconhecer que 2 + 2 é igual a 5. O amor venceu! Em Oceania, tudo é falseado. O açúcar e o café de verdade são inacessíveis. Apenas produtos sintéticos, falsificados ou adulterados estão disponíveis. 
O pesadelo fictício de Winston reflete graves aspectos da realidade. Em 1949, quando Orwell publicou 1984, as atrocidades de Stálin eram bem conhecidas pelo autor. Ademais, não havia computadores pessoais e celulares. Hoje, cada um de nós carrega sua própria Teletela no bolso. 
Em 2013, Edward Snowden vazou documentos secretos comprovando que as agências americanas NSA e CIA passaram a espionar o cidadão. É notório o aumento da capacidade de vigilância e de controle. Assim, o tema das liberdades de pensamento e de expressão torna-se ainda mais relevante e desafiador.  
Censuras e restrições à liberdade de expressão atendem, exclusivamente, aos interesses de ideologias políticas de natureza totalitária. A limitação do poder do Estado assegura o pluralismo político e a mais ampla liberdade individual de pensamento, de consciência, de religião e de expressão. Todo regime opressor combate obsessivamente essas liberdades.  

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