Sobre pais e filhos

OPINIÃO - Saulo Marcos de Almeida

Data 09/02/2021
Horário 05:00

Você culpa seus pais por tudo
E isso é absurdo 
São crianças como você 

Difícil abordar a arte dessa relação: pai e filho. Além de extremamente complexo, o tema em questão é de enorme sensibilidade, sobretudo, para quem dele/nele vive.
Como nenhum discurso/linguagem é direto, mas há sempre alguma mediação, sirvo-me da literatura que, por razão que a própria razão desconhece, fez-me conhecer alguns pais. 
O desertor – eu o descobri lendo os contos de Guimarães Rosa (Primeiras Estórias – A terceira margem do rio). O texto é maravilhoso e não há uma vez sequer que não me emocione ao lê-lo e encontrar no centro da estória um pai que, de repente, não mais que de repente: abandona a família e desiste da vida preferindo a solidão de um rio. Na margem deste, um filho (dialeticamente saudoso e rejeitado) que não desejava outra coisa, se não o retorno do distante pai... Rio abaixo, rio afora, rio adentro.
O castrador e autoritário – modelo que, aqueles e aquelas como eu, provavelmente conhecem. Exemplo: Herman Kafka, pai de Franz Kafka. O famoso escritor tcheco escreveu uma carta que não chegou a ser entregue ao pai. Fortíssimo texto de um filho rejeitado pela severidade/austeridade paterna: “Você assumia para mim o que há de enigmático em todos os tiranos, cujo direito está fundado, não no pensamento, mas na própria pessoa”. (Carta ao Pai, F. Kafka). 
O culpado – Desconheço quem tenha se ressentido mais do que Jean-Jacques Rousseau (Émile ou de L’éducacion) por ter abandonado a paternidade, não apenas com sentimento de culpa, mas culpa real que o desgastara até a morte: “Aquele que não pode assumir os deveres de pai não tem o direito de sê-lo”.
Mas, nesta coletânea paterna, surgiu um novo e contemporâneo pai: o protetor. Ele faz de tudo para suprir as necessidades de seu filho. A cria, então, desconhece privações, não experimenta sofrimentos (lutos e perdas), foge do caminho da autonomia e não aprende a tomar decisões.
Delimitar até onde se pode/deve ir é a crise do pai protetor, pós-moderno: não sabe dizer não. Criança sem limites é vergonha de pai e mãe. Sem conhecer as fronteiras hoje perderá os freios facilmente amanhã, em todas as dimensões da humanidade. 
Blindar os filhos de todos os possíveis dissabores da vida: eis o desejo! Primeiramente, a ilusão por não conter tão árdua e impossível tarefa. E, em seguida, a frustração acompanhada de culpa porque, impossibilitado de tão difícil objetivo, resta o despreparo emocional, como: violência; descaso em forma de lavagem de mãos; rejeição; terceirização da educação (tem sido árdua a tarefa da escola), entre outras coisas mais. 
Amor e disciplina não se excluem e andam de mãos dadas sempre!
Entenda que seu filho é único e deseja ser livre e essa é sua vocação. Liberdade precisa ser assistida, pelo menos quando se educa, tempo em que se está em pleno desenvolvimento do ser humano. Envolve tempo e, sobretudo, amor - essência de Deus. 
“Pai eu cresci e não houve outro jeito”. Vale a pena ter filhos!
 

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