Sobre pais e filhos II

OPINIÃO - Saulo Marcos de Almeida

Data 16/02/2021
Horário 04:30

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
Gibran Khalil Gibran

O pardal encontrou casa e a andorinha ninho para si 
(Salmo 84.3) 

Sempre achei linda a poesia de Gibran (conferencista e poeta libanês), intitulada: “Vossos filhos não são vossos filhos”. Suponho também que arcos e flechas, metáforas usadas pelo também pintor, muito provavelmente tenham vindo do versículo bíblico: Como flechas nas mãos do guerreiro são os filhos nascidos na juventude (Salmo 127.4).
Rubem Alves, teólogo protestante, escritor e educador, usava o verso acima para proporem vez de arcos, ninhos; em vez de flechas, passarinhos. Assim, então, permito-me nova versão da poesia, com pitada de acréscimo: Vós sois os ninhos dos quais vossos filhos são arremessados como passarinhos livres e felizes.
A proposta de quem sabia como ninguém brincar com as palavras, oriundas de imagens/metáforas, indicava de forma inequívoca que, conquanto nossos filhos não são nossos filhos, é possível na experiência da paternidade/maternidade e na passagem deles por nós oferecer-lhes ninho: acolhimento, ludicidade e ensino para o adejo - tentativas de suas primeiras voaduras. 
Sabe-se de forma sobeja da importância dada ao estudo do desenvolvimento do ser humano, sobretudo, na primeira infância quando se tem o controle do cuidado com o filho (a). Assim, ninho se traduz por colo, carinho e educação que nos fazem saber-se pai/mãe, como buscava Vinícius de Moraes: Filhos... Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos como sabê-los?
Mas, a linguagem ainda mais instigante de Alves está na simbólica troca que faz das flechas para os passarinhos. Porque o arqueiro que lança as flechas, além de imprimir a sua velocidade, ele as quer no alvo determinado onde moram seus sonhos e expectativas para cada filho e filha. Assim, nascidos no ideal paterno do flecheiro que atira o dardo, seguem predeterminados ao alvo que não sonharam, ao destino que não planejaram, à vida que não prospectaram. Seu propósito já foi escolhido; seus sonhos de futuro perderam-se na ausência da esperança presente - como esperar o que não sonhei? O pouso escolhido nunca pretendeu, porque não é seu, mas do arqueiro que o projetou. Crescem, então, domesticados, engaiolados a serem pássaros infelizes, medrosos e impedidos de alçar seus próprios voos na gestação de seu sonhado futuro. 
Pássaro que não voa e não sai do ninho! 
Será por isso que nossos filhos (as) estão adolescendo bem mais tarde e não desejam sair, migrar de suas casas? Por que não aprendem andar com suas próprias pernas (bendita redundância)? De quem é essa responsabilidade/sentimento de culpa a atormentar pais e mães no tempo denominado hoje? Quais as razões do adoecimento emocional de nossos rebentos de maneira tão precoce?
Deus deu pais aos filhos (as) e Ele deseja que nossas crias se tornem livres e, sobretudo, felizes na busca de seus próprios destinos, no mundo que Ele criou. 
Passarinhos voltarão sempre aos seus ninhos! Mas, não esqueçam: vossos filhos não são vossos filhos! Voa passarinho, voa! Deus nos abençoe! 
 

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