Há muitas possíveis análises jurídicas sobre a 1ª Lei Brasileira de Seguros (LBS, nº 15.040/24), sancionada em dezembro de 2024, com vigência em um ano. Este artigo se propõe a tecer uma relacionada ao seguro de vida, especificamente quando contratado por pessoas que acabam por cometer suicídio.
Mesmo nestes casos, há previsão legal de pagamento de indenização aos beneficiários, pois em todo contrato de seguro a boa-fé é requisito essencial nas condutas do segurado e da seguradora. Atentar contra a própria vida não é um ato, por si só, de má-fé.
A análise se dá pela identificação de desequilíbrio na relação entre as partes, instaurado a partir da redação do artigo 798, do Código Civil de 2002.
O Código de 1.916 determinava o pagamento de indenizações independentemente do momento em que o contrato fosse assinado, desde que não houvesse premeditação por parte do segurado.
No Código de 2002, o legislador inseriu o artigo 798, impondo critério polêmico para acabar com possíveis casos de fraude contra seguradoras. Somente em 2018, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) fixou tese sobre o tema, reiterando o teor do artigo, afastando qualquer critério subjetivo em busca de alegadas objetividade e segurança jurídica.
A análise desse artigo aponta, essencialmente, para dois pontos não abarcados pelo STJ, os quais poderiam ter sido resolvidos pela LBS.
O primeiro refere-se a casos envolvendo overdose. Nesses casos, a jurisprudência admite que, se não houver premeditação, a indenização deve ser paga, mesmo quando o contrato de seguro ainda não tiver cumprido a carência de dois anos. Isso ocorre porque o dependente químico é considerado um doente mental, e atentar contra a própria vida não pode ser considerado como uma tentativa de fraude, pois reside na sua conduta a diferença entre “morte acidental” e “suicídio voluntário”
O segundo ponto diz respeito justamente aos casos de “suicídio voluntário” do segurado. É possível que, no momento em que atentar contra a própria vida, essa pessoa esteja sofrendo de algum desarranjo mental patológico, em tratamento. Negar o pagamento de indenização a seus beneficiários gera um desequilíbrio contratual, pois esse suicida também não age de forma voluntária.
A título de comparação, a legislação alemã prevê desde 2008 um critério temporal objetivo maior que o brasileiro (prazo de três anos), mas com uma exceção: aos acometidos de alguma doença mental, o pagamento de indenização é devido, independentemente de carência.
Por não ter tratado do critério atual de nossa legislação (carência de dois anos), a nova lei manteve a contradição de tratar diferentemente os casos de pessoas que cometem suicídio por estarem doentes.
Possível exceção pode haver na interpretação de seu artigo 120. Nele, definiu-se não indenizar os beneficiários em casos de suicídio voluntário. Assim, por já existir entendimento jurisprudencial majoritário no sentido de que os beneficiários daqueles que são dependentes químicos, quando dão cabo à vida com o excesso no consumo de drogas (overdose), devem ser indenizados por serem consideradas mortes acidentais, torna-se possível defender que o suicida voluntário, acometido por desarranjo mental patológico ao atentar contra a própria vida, também deva ser tradado como morte acidental.
Os que atentam contra a própria vida por causa de algum desarranjo mental patológico e os mortos involuntários nos casos de overdose são pessoas doentes, vítimas fatais por acidente, por exceção; não são casos premeditados, e por isso os beneficiários de ambos os casos deveriam fazer jus à indenização. Não pudemos contar com a voluntariedade e necessária percepção de nossos legisladores para essa contradição, mas a proposição de uma nova reflexão sobre o tema está posta.