Superstições para o novo ano

Reportagem conversou com duas psicólogas que analisaram o comportamento das pessoas com relação aos rituais realizados na virada 

VARIEDADES - WEVERSON NASCIMENTO

Data 31/12/2020
Horário 09:35
Foto: Cedida
Alcione diz que é necessário entender que o que não se tem controle
Alcione diz que é necessário entender que o que não se tem controle

No último dia do ano, é que comum que as pessoas busquem realizar superstições antigas com objetivos relacionados ao novo ano que se inicia. Isso passa pela comida, como quem come lentilha para atrair dinheiro/sorte, guardar sete sementes de romã na carteira, além de algumas atitudes como pular ondas, deixar uma nota de dinheiro dentro do sapato ou cumprimentar os amigos com uma moeda na mão. Todas elas, no entanto, se resumem ao anseio de um bom ano, e para isso acontecer, torna-se necessário realizá-las. A reportagem conversou com duas psicólogas que analisaram este tipo de comportamento.
De acordo com a psicóloga clínica, especialista em Educação e Terapia de Família e Casal, Alcione Candeloro Ricci mesmo racionalmente entendendo que não existe uma causalidade real entre um ritual e uma determinada situação em que se deseja, o ser humano, em uma série de situações, a executa. “Existem características humanas que justificam essa prática. Uma dela é o medo pelo incerto, pelo que não temos controle, o que nos faz criar a ‘ilusão do controle’”, explica. “Essa ilusão é muito observada, por exemplo, quando perdemos um ente querido e elaboramos uma série de pensamentos como ‘se eu tivesse feito isso, ou se ele não tivesse feito aquilo, não teria acontecido’. Criamos, assim, a fantasia de que poderíamos ter evitado o que não temos controle, seja a vida ou a morte”.
Alcione acrescenta que em todas as situações onde somos confrontados com algo que não controlamos, criamos essas ilusões. Os rituais, portanto, são frutos desses anseios e nos trazem uma momentânea tranquilidade de que estaremos controlando a situação. Outra causa pontuada pela especialista é a dificuldade em nos sentirmos responsáveis pelas consequências de nossos atos. “Ter dinheiro no próximo ano só depende do meu esforço, de como lido com o dinheiro e não de usar o amarelo. Ter saúde ou não, depende de meu esforço constante em uma boa alimentação, exercícios físicos, vida regrada e não de pular sete ondas ou comer sementes de romã. Ter uma vida afetiva satisfatória e feliz depende de investimento constante na qualidade de minha relação a dois, e não de usar uma peça íntima vermelha”, acrescenta.
A psicóloga explica que fica mais fácil criar a ilusão de controle e passar a responsabilidade do futuro ao cumprimento de um ritual. Para tanto, destaca que quanto mais amadurecemos emocionalmente, quanto mais nos sentimos responsáveis pela nossa realidade e futuro, teremos menos necessidade desse tipo de ilusão. “Assumir a própria vida, fazer o que pode ser feito em relação aos mais variados aspectos e entender que o que não se tem controle precisa ser aceito, é a melhor receita para um 2021 cheio de realizações”, frisa.

Responsabilidade do futuro

A psicóloga clínica, neuropsicóloga e hipnoterapeuta, Aline Tanaka Campos Filitto, acrescenta que nós temos a necessidade de ter controle de tudo, ou muitas vezes, apresentamos uma ansiedade exacerbada. “Os humanos têm a necessidade de controlar todos os aspectos da vida. Até mesmo os que não dependem dele”, ressalta.
De acordo com ela, as superstições são úteis quando não temos controle sobre algo e desejamos muito que aconteça. “O processo acontece quando associamos algo que desejamos muito e não temos. Muitas vezes, são mecanismos para lidar com as frustrações e, assim, depositamos todos os nossos desejos naquilo que tanto almejamos. Não existe uma garantia que isso dê certo, por isso nossa mente cria esses rituais para alimentar esse ego, fazendo com que tenhamos a falsa sensação de que algo foi feito para garantir o final positivo que tanto esperamos, trazendo um alívio e bem-estar”. 
A necessidade de controle, segundo Aline, vem de outra característica tipicamente humana: o medo frente ao desconhecido. Desta forma, o cérebro não aceita a dúvida, a incerteza, afinal isso gera angústia e sofrimento. Então, para se proteger da dor, ele cria essa 'história', essas associações que o fazem sentir que temos controle sobre o que está acontecendo, e mesmo sabendo que esse controle é ilusório, continuamos acreditando porque é melhor isso do que nada. “As superstições nos dão uma sensação de previsibilidade que é reconfortante. O que as pessoas buscam com isso é ter um final melhor, pensando de forma mais positiva. Nossas expectativas e ansiedade influenciam a maneira de como agimos, normalmente de forma negativa, e esses rituais nos trazem sorte e nos dão confiança que tudo irá dar certo. Como um efeito placebo”.

Foto: Cedida

Aline: “Humanos têm a necessidade de controlar todos os aspectos da vida”


 

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