Testemunho de um aluno bem-sucedido

OPINIÃO - Saulo Marcos de Almeida

Data 11/10/2022
Horário 04:30

O tempo passa, não diz nada. Envelhecemos. 
Saibamos, quase maliciosos, sentir-nos ir.
Tendo as crianças por mestras. 
E os olhos cheios de natureza...
Alberto Caieiro

Registrar alguns episódios da travessia escolar, confesso, nunca será um ato de prazer, pois as coisas nunca foram muito boas. Recordar-me, então, do passado escolar implica na lembrança de dores antigas e já diziam os curadores da interioridade humana: ninguém quer viver as mesmas dores do passado, hoje no presente.  
Os pais não haviam estudado, mas acreditavam que, pelo menos um dos filhos, deveria seguir o “caminho das letras”. 
Como era o primeiro filho homem da casa, a sorte do estudo caiu sobre mim. Lembro do meu pai informando-me, com muito orgulho, que eu havia sido presenteado com uma bolsa de estudos para ser aluno interno num colégio de padres. Não podia desapontá-lo e, assim, enclausurei-me para estudar e ser alguém, ou melhor: estudava enclausurado com o desejo de não ser ninguém. 
No colégio sentia-me desmotivado para os estudos, mas era preciso. Meu desejo morava lá fora nas brincadeiras de pescar, nadar no rio, jogar bola entre outros. Desejava estudar, mas queria como os amigos ser um pouco moleque também! Experimentei no colégio, pela primeira vez, os sintomas da inveja. Quando convivia com os meninos da rua, todos muito pobres como eu, não havia experimentado esse horrendo sentimento, mas, quando passei a comparar o meu “pisante” com os tênis mais bonitos dos colegas, senti essa coisa ruim e penosa. Quanto à indisciplina? Rindo, agora, recordo-me das muitas vezes em que visitei o diretor da escola para escrever centenas de vezes o Hino Nacional. Conheço o Hino Nacional Brasileiro salteado e de coração. 
Infelizmente, experimentei o fracasso escolar num dos anos da educação básica. Essa foi uma das fases mais difíceis da vida, porque acreditava que a família e a escola deveriam ser co-responsáveis comigo daquela enorme perda. Senti um misto de vergonha, sobretudo, de fracasso por não ter acompanhado a minha turma e colegas que ganhara ao longo do período escolar. Mas foi uma crise cheia de oportunidades para pensar a vida e suas contradições. Assim, apesar da dor também a maturidade.
A partir da experiência achei que devia mudar um pouco o rumo vida. A mãe costumava dizer: já era hora. Passei espontaneamente a ler muitos livros, estudar muito mais e dedicar-me à biblioteca e livros. 
Acredito que toda essa vivência me ensinou a refletir que, a educação nessa fase (ensino fundamental e médio), passa necessariamente pelo momento histórico-social de cada aluno/aluna. Desconhecer a história de cada educando é desconsiderar o aspecto integral requerido por todo o processo de ensino e aprendizagem que envolve o educador e o educando. 
Termino meu pequeno relato parafraseando o Guimarães Rosa que dizia com muita propriedade, mais ou menos o seguinte: O importante na vida não é o ponto de partida nem a chegada, o fundamental é a travessia. Carecemos de uma educação que nos ensine a fazer essa passagem da vida? Penso que sim e urgente para o bem de nossos filhos e filhas. 
 

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