Tétum quando a língua é uma arma e uma resistência

António Montenegro Fiúza

«(…) Calai
Calai-vos e calemo-nos
POR UM MINUTO
É tempo de silêncio
No silêncio do tempo
Ao tempo de vida
Dos que perderam a vida
Pela Pátria
Pela Nação
Pelo Povo
Pela Nossa
Libertação
Calai - um minuto de silêncio...»

Poema “Um Minuto de Silêncio”, extrato, Francisco Borja da Costa, poeta timorense.

Advenham cientistas sociais, aproximem-se investigadores, pesquisadores, linguistas, semiólogos ou outros; cheguemos, juntos, a essa conclusão; confirmemo-la e reafirmemo-la: a língua constrói a nossa identidade. Com cada vocábulo, cada signo (seja oral ou escrito) construímos o nosso pensamento, o nosso mundo. 
A língua, sendo nossa pátria, expressão do nosso ser, também pode ser arma e utensílio. Pode ser enxada e pá, para construir os fundamentos de um povo; pode ser marreta para fixar a calçada por onde firmamos os nossos pés, rumo ao futuro. 
Para os timorenses, a língua foi escudo protetor, foi garante de resistência contra o opressor, comunicando ideias e ideais, sonhos e projetos. Foi uniforme de camuflagem e disfarce, na luta pela autonomia e pela independência. 
Aquando da invasão indonésia, o povo das ilhas do sol nascente , conquanto carpia e se lamuriava em Tétum – língua nativa do território, fez chegar ao mundo a sua dor e disseminou-a em língua portuguesa, fazendo a sua voz sentir-se em todos os recantos do globo. 
E como irmãos de uma só língua, alçaram-se vozes de toda a lusofonia, em poemas de protesto, em canções, reportagens e documentários. De Angola a Moçambique, de Portugal ao Brasil, os minutos de silêncio transformaram-se em gritos de resistência e de incitação à mudança, à revolução. A uma só voz, os falantes da língua portuguesa uniram-se em defesa desse irmão longínquo, mas sempre presente!
As duras penas com que se escrevem os anais da história timorense apresentam o entrelaçado de duas línguas, as quais irmanaram-se e de mãos dadas lutaram, construíram e cimentaram uma nação: o Tétum ou teto, língua nativa e materna, falada por pouco mais de 800 mil pessoas, idioma do quotidiano e da vivência corriqueira, língua de guerra e de resistência; e a língua portuguesa, de libertação e de acesso ao mundo. 
Um minuto de silêncio é pedido por uma das vozes que não se calam, um eco na eternidade, um grito que brada no interior da independência e da identidade timorenses; um minuto de silêncio, para um povo de cujo brado surgiu a libertação; um minuto de silêncio. 
 

Publicidade

Veja também