Um dia a casa cai

Roberto Mancuzo

COLUNA - Roberto Mancuzo

Data 07/07/2020
Horário 05:46

Poucas coisas mexem tanto com o humor de um homem do que ter que resolver problemas de manutenção em casa e, nesse ponto, a quarentena da Covid-19 tem feito um estrago sem igual. A pandemia do parafuso solto e da porta que não fecha direito tem feito muitas vítimas.

Quer saber? Naturalmente, nós homens somos dotados de todo conhecimento humano para reformar qualquer coisa que está quebrada, estragada, descoberta ou pingando.

Mas quer saber mesmo? Efetivamente, somos extremamente inúteis para eliminar uma goteira, fechar um canto de quina, tapar qualquer buraco, arrumar o chuveiro ou trocar lâmpadas naquele lustre maquiavélico que a esposa escolheu.

Tá, vá lá que alguns que aqui me leem podem até dizer que com eles não é assim e até acredito mesmo que existem homens com neurônios que se organizam de tal forma que a casa é impecável. Se quiserem terminar a crônica, será só para saber que estão em um nível diferente.

Eu desconfio que fico meio na média para baixo quando o caso é resolver problemas caseiros. Sabe quando você tirava um C+ na escola?

Embora tenha lá no fundo de casa uma prateleira e uma cômoda com muitas ferramentas, equipamentos e acessórios, nem sempre o mundo é fácil.

O duro é que nas décadas 70/80/90, homens como eu foram educados, entre outras coisas mais, a serem isso mesmo: “machos-alfa” capazes de construir uma parede, coçar o saco e cuspir no chão. E você só seria homem mesmo se tivesse uma oficina em casa e habilidades totais para saber bater um prego, serrar uma tábua, usar chave estrela, saber diferença entre as chaves allen e torx e usar um nível com muita habilidade.

Daí vieram os anos 2000 e o mundo exigiu que a vida fosse mais escritório, cotidiano bem mais fora de casa do que dentro, marido e mulher tendo que trabalhar e até que esse tormento de consertar as coisas ficou meio de lado. Até inventaram o lance do “marido de aluguel”. Teve homem por aí que ficou sentido, meio achando que era provocação. Mas eu gostei bastante. Afinal, a César o que é de César. O cara sabe bem mais que eu nessas paradas de consertos domésticos e ainda ganho horas de tranquilidade a um custo razoável.

Mas a quarentena da Covid-19, essa “bendita” quarentena, colocou a gente no lugar de novo. E tome vestir de novo o uniforme do maridão faz-tudo.

Acho até que se estivéssemos em um período normal de vida, consertar uma coisa aqui ou ali nem seria um problema tão grande. Mas 100 dias de isolamento têm seu preço e os problemas começaram a acumular, os olhares passaram a ser bem mais ríspidos e a cobrança mais descarada: “Vai deixar a porta do guarda-roupa cair na cabeça das crianças?”.

E olha que no começo da pandemia a gente até tinha os gurus do YouTube ou dos podcasts com aquelas lições de autoestima. Eles pediam para aprendermos mais com a vida, com os pequenos problemas, a conviver melhor com os amigos, inimigos e parentes, a olhar tudo com consciência de um aprendiz. Pediram até para considerar um pequeno conserto doméstico como uma grande lição de humildade.

Ah, mano, vai apertar um parafuso espanado para ver o que é bom!

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