O DIA EM QUE UM GOL SORRIU PARA A ETERNIDADE

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 29/12/2019
Horário 05:20

Fevereiro de 1993. Estava um dia de sol quente em Presidente Prudente, nossa aldeia sagrada. Um dia como outro qualquer para o professor Sergio Jorge Alves (In Memoriam). Radialista, vereador dos mais combativos, corintiano de corpo e de alma. Lutou bravamente com seu amigo, Luiz Semensati, contra a venda do estádio Parque São Jorge. O caráter era o seu castelo. Infelizmente, o poder do dinheiro e do progresso sempre vão gritar mais alto do que a preservação da história.

Não só foram derrubadas arquibancadas de concreto, alambrados ou coberturas de madeira, caíram ao chão uma história de memórias gloriosas do nosso querido Corinthinha. Sonhos, emoções foram soterrados e esmagados em nome do dito progresso. Para Sergio Jorge, a sensação de frustração era latente, mas não fugiu de combater o bom combate e guardou o amor dessa bela história no seu valente coração. Sergio Jorge era um homem sonhador, queria ver o Corinthinha Juniores ganhar o Campeonato Paulista.

Era responsável pela direção de esporte do seu time de coração. Convidou Odair Carlos para tocar esse projeto dos seus sonhos. Odair era um técnico talhado para descobrir novos talentos. Tinha e ainda tem esse dom. Se espelhava no seu grande ídolo, Otacílio Pires de Camargo, o lendário Cilinho, falecido recentemente.

Odair aceitou esse grande desafio. Percorreu a região e acabou fazendo uma peneira com 800 jovens jogadores no Estádio do Prudentão. O presidente do Corinthinha era Paulo Lima, filho de Agripino de Oliveira Lima ( In Memoriam). Assim começa os primeiros passos rumo a realizar esse grande sonho. A nossa região sempre foi um celeiro de craques. Cito alguns deles: Lidu, Miranda, Jorginho, Toninho "Beijinho Doce", Mirandinha (único prudentino campeão brasileiro pelo Guarani de Careca), Ademar Pantera, Naido, Vendramini, Beto Benitez, Espanhol. Ico Tartaruga, Suingue e Polaco. Odair sempre foi adepto ao futebol ofensivo. Gostava do 4-3-3.  Hoje o futebol brasileiro está pobre tecnicamente e nada ousado no seu sistema de jogo.  

Pra jogar nesse 4-3-3 no Prudentão tem que ter muito “abacaxi” me disse Odair. Pela pobre estrutura do Corintinha, que dependia 100% do poder público, os jogadores selecionados pelo técnico Odair, aceitaram driblar mais esse adversário que bate pesado fora do campo de futebol. Alguns desses jogadores trabalhavam como: Cortador de cana, pedreiro, pintor de parede, jornaleiro e garçom. Aceitaram dormir embaixo das arquibancadas do Ginásio de Esportes. Iam a pé treinar nos Campos do Jardim Regina e Caravina. Depois do duro treino tinham que voltar a pé. A força dos sonhos de cada um era maior que essa dura realidade. Time de jovens focados, bons de se trabalhar, não reclamavam de nada. Foram 10 meses de um intenso trabalho físico e mental.

Odair tinha plena confiança que esse time iria ser campeão. O sistema de jogo encaixou nas características de cada jogador. Foram ganhando de todos adversários. Não temiam ninguém. Era um time ofensivo que dava alegria para quem queria ver o verdadeiro futebol brasileiro. Chegam na grande final contra o forte time de Amparo que tinha na sua estrutura jogadores do Juventus da Capital Paulista. Amparo possuía muito mais estrutura financeira do que o Corinthinha.

Nada disso tirava deles a vontade de ganhar. No primeiro grande jogo empatam fora de casa por 2 a 2. Bastava agora uma vitória simples para sentir a honra e a alegria de serem campeões. Um dia antes dessa grande final o destino surpreende: a morte chega para Da. Luiza, mãe do centroavante Célio Alcântara. Todos vão prestar solidariedade ao amigo. Odair deixa Célio a vontade para decidir se teria condições emocionais para disputar a tão sonhada final.

Todos dão muita força para o companheiro nessa hora tão triste. No dia 23 de outubro de 1993, o Ônibus que vai levar os jogadores para a estádio Prudentão encosta em frente ao Ginásio de Esportes Watal Ishibashi. Os jogadores começam a subir no ônibus ainda tristes pela morte de Da. Luiza. O motorista dá a partida quando Célio Alcântara chega com suas chuteiras na mão e diz a Odair: “Treinador eu vou jogar e vou marcar o gol para minha mãe”. A força de um sonho mais uma vez superou esse duro golpe que a vida deu nesse centroavante do Distrito de Ameliópolis.  

Seu ato em querer jogar demonstrou a todos os jogadores que a vitória pode ter muitos pais e a derrota sempre será órfã. Ninguém queria ficar órfã. Chegando ao estádio um velho torcedor emociona Odair: “Ganha esse título para nós”. No vestiário Odair faz a sua preleção, colocando mais motivação nos corações sonhadores. Sente que seus jogadores estão com a adrenalina a mil. Vão jogar o jogo da vida, querem fazer história, querem honrar seus pais e amigos. Rezam o Pai Nosso de mãos dadas, gritando o nome de Deus. Entram em campo ouvindo os gritos dos torcedores e o barulho dos rojões: Corinthians, Corinthians...

Começa o jogo e cada um desses jogadores carrega a sua sofrida história de vida. A bola simboliza a esperança em conquistar uma vida melhor para as famílias de cada jogador. O futebol é a porta de entrada para sair da pobreza. O primeiro tempo termina 0 a 0. Jogo duríssimo. Célio Alcântara sente que pode entrar para a história. No segundo tempo uma jogada do lateral Edson Costa que cruza para a área e Célio pega de primeira fazendo 1 a 0. Meus Deus fiz o gol. Sai correndo com os braços abertos como se fosse abraçar a sua mãe. Uma mistura de alegria e tristeza domina seu coração. Dedicou o gol a sua mãe como prometera. Um gol que sorriu para a eternidade. No meio do segundo tempo o ponta esquerda Ataliba cruza e Célio Alcântara sobe aos céus marcando o segundo gol. Acabou, acabou, o Corinthinha se sagra Campeão Paulista de Juniores. Sergio Jorge Alves chora, seu grande sonho tinha se realizado.

Naquele pequeno espaço de tempo sentiram que eram imortais. Estamos prestes a encerrar o ano de 2019. São 26 anos que passaram e pasmem os queridos leitores, esses heróis nunca receberam uma homenagem a altura dessa preciosa conquista. A grande mágoa de Odair Carlos e de seus jogadores é não serem lembrados. Alguns deles já não estão mais nesse mundo. Os que ainda estão nesse mundo, esperam ansiosos o reconhecimento vir, vestido de carinho e afeto, para entrar em campo e derrotar o esquecimento nesse jogo da vida.

 

Sander (goleiro), Edson Costa (lateral direito), Alex (central), Erkison (quarto zagueiro), Ferreira (lateral esquerdo), Acácio (Volante), Jusmar (meia direita), Paulista (meia esquerda), Lincon (ponta direita), Célio Alcantara (centroavante) e Ataliba de ponta esquerda. Técnico - Odair Carlos.

 

 

 

 

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