Deixe-me ir...

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 09/07/2023
Horário 07:09

Toda vez que eu acordo eu espero o meu fim. Todos os dias tenho que enfrentar a realidade. Para mim é como entrar numa selva perigosa nu. Nesse momento, estou escutando a música “The End”, do conjunto The Doors. A letra dessa emblemática música e a voz do cantor Jim Morrison me levam a ter pensamentos estranhos. O meu maior sacrifício é amar Elisa que não me ama mais. Minha falência arruinou meu casamento e meus sonhos viraram pó deixando minhas mãos vazias. Às vezes tenho muita vontade de encher a cara e acreditar que o álcool ou a cocaína me tragam a sensação de uma falsa paz e de felicidade, mesmo que seja tudo uma lírica ilusão. 
Moro numa quitinete de um amigo que gosta de mim. Não me cobra nada de aluguel e não cansa de me falar o ditado português: "Não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe". Procure Deus, diz ele. Deus é o caminho da luz e da vida. Pensamentos estranhos continuam a passear como sombras pela minha mente atormentada provocando reações estranhas no meu coração descrente. Me desculpem minha desilusão, eu já fui um grande sonhador. Sinto falta até das mentiras que escutava do amigo Raul. E o espírito de grandeza que o Luiz tinha? Oh cara otimista kkk. 
Nada mais faz sentido para mim. Será que isso representa o fim? Não posso viver mais sem esperança. Minha autoestima está baixa e minha autocrítica bate pesado como o martelo do Deus nórdico Thor, filho de Odin. Eu era apaixonado pela mitologia nórdica. Tenho que me salvar. Tenho que lutar para que o passado fique no passado. Tenho que encontrar em mim mesmo a capacidade de voltar a amar alguém. Virei um covarde do afeto. A solidão me engoliu como um tubarão faminto. Perdi o amor da minha vida por puro egocentrismo e prepotência. Achava que jamais iria viver um fracasso financeiro. Fiquei sem chão e me perdi na minha própria frustração. 
Tenho que encontrar de novo minha coragem. Minhas filhas sabem que sou um homem de bem. Tenho que aprender a viver com as perdas. Tenho que voltar a sorrir das lembranças boas que tenho. Foi inesquecível aquela noite quando dancei com Elisa em Paris ao som da música, "Ne me quitte pas", na voz de Nina Simone. Quantos mal entendidos que tornaram um tempo perdido. Elisa não teve culpa, eu apunhalei meu próprio coração que estava cheio de felicidade. Acreditei somente no dinheiro e nos prazeres sem limites que ele me proporcionou. Quantas vezes cheguei de madrugada e vi Elisa dormindo. Tenho que recomeçar e procurar um novo sonho para sonhar. Tenho que me perdoar. Será possível esquecer um grande amor? Os versos verdadeiros e realistas do samba de Cartola e de Candeia acendeu em mim uma luz: 
"Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver...”
Esses versos mexeram comigo, são como uma oração. Vou ter que me encontrar, ser o dono de novo do meu destino e capitão da minha alma. Vou procurar a espiritualidade, a dor ensina, e isso vai ser minha filosofia de vida. Jim Morrison morreu pelas drogas e eu não quero seguir esse caminho. Quero cantar mais versos desse maravilhoso samba de Cartola e Candeia: 
"Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar...”


Candeia


Cartola

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