A lusofonia e Eduardo Lourenço

António Montenegro Fiúza

«É de uma lucidez e de uma sabedoria mais fundas que a de todas as explicações positivistas, esse sentimento que o português teve sempre de se crer garantido no seu ser nacional mais do que por simples habilidade e astúcia humana, por um poder outro, mais alto, qualquer coisa como a mão de Deus. Esta leitura popular do nosso destino colectivo exprime bem a relação histórica efectiva que mantemos conosco mesmos enquanto entidade nacional.»
Eduardo Lourenço, “O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português”, 1978

Em nossas viagens, percorremos o Brasil,África e até Ásia; e desta feita, retornamos a Portugal. Atônitos e alvoroçados com a notícia da morte de Eduardo Lourenço, para lá nos dirigimos, embora não fisicamente, mas filosófica e metafisicamente. Chegamos, assim, de supetão, ao país real e ao imaginado pelo afamado professor, que também fora filósofo, escritor, ensaísta, crítico e agente de intervenção cívica; sem dúvida nenhuma, um dos mais proeminentes pensadores do país e da lusofonia. 
Muitas vezes galardoado: Prêmio Camões, Prêmio Pessoa e outros, reconhecido local, nacional e internacionalmente, deixou de herança a uma nação de que se fez co-criador, dezenas de volumes: títulos esplêndidos, os quais dimanavam da sua mente brilhante como um veio de águas límpidas, numa fluidez que teve o seu início em 1949, desenrolando-se até 2019. 
Viveu na Europa e no Brasil e ganhou uma visão profunda e fundamentada da essência da lusofonia, uma conspeção histórica e filosófica, daquilo que chamou a crise da identidade nacional. Escreveu livros poéticos, revisitou Fernando Pessoa e  Miguel Torga, versou sobre a ditadura militar, e sobre a situação africana, mormente no âmbito da lusofonia; e em 1978, escreveria a sua obra mais conhecida «O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português» e granjeava, assim, para si, um número grande e diversificado de leitores, os quais se reviam e se projetavam nas suas palavras, revivendo e/ou recriando a essência da lusofonia.
Criticou a apresentação histórica do país, baseada no herói isolado e sempre alvo da providência e da sorte, e lançou as bases para um autoconhecimento e uma redefinição da identidade patriótica.
Por suas palavras foram construídas consciências e pensamentos, nasceram novos heróis: sem capa e espada, mas dotados de uma acurada perceção da sua nação e do seu papel, nesse contexto e de uma vontade férrea de construir esse novo país. Pelas suas mãos, palavras teceram pensamentos, movimentos introspetivos e ações; pelas suas letras, reencontramos a nossa identidade.
A Eduardo Lourenço, a toda a sua obra, o nosso muito obrigado.

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