A onda do desapego

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 20/06/2023
Horário 05:30

Não tem muito tempo entrei em um grupo de WhatsApp para venda e troca de produtos usados. Eu só queria vender uns móveis, mas quando menos percebi, estava não só em um grupo, mas fazendo parte de um verdadeiro movimento social que ganha a internet cada dia mais: o desapego.
No começo até achei bacana, mas de uma hora para outra não estava somente no grupo de móveis. Tinha passado de fase, ido para vários outros: kids, roupas, carros, ferramentas, cozinha, fotografia e por aí vai.
Era tanto que eu tive, inclusive, que desativar as notificações dos grupos porque eles simplesmente não paravam de se movimentar. Eram mensagens e mais mensagens, chegando a todo instante. Conversas, trocas, pedidos de reserva, negociações de todo tipo e até umas tretas comuns quando se junta gente em um lugar só.
E depois de cuidar das notificações e já ter vendido meus móveis, passei a observar com mais atenção esta movimentação social toda no ciberespaço e confesso que às vezes me divirto vendo as negociações, algumas curiosas e outras que são verdadeiros atestados de divisão de classes.
Por exemplo, em um dos grupos eu já havia achado bem fora do normal uma pessoa tentar vender um chinelo de ficar em casa por uma bagatela de R$ 800. Tudo bem que era de uma marca bem famosinha, mas tudo isso? Bem, se alguém quer vender e outro comprar, não tenho nada com isso, mas a coisa foi piorando e de repente aparece uma bolsa feminina a R$ 14.567,00 e quando eu ainda estava recuperando o fôlego, veio outra peça dessa a incríveis R$ 96.879,00. Pensei comigo “Eita!”, mas logo soltei “Vixi!!”: em minutos apareceu uma foto do produto com a tarja “vendido”. 
A onda do desapego não é nova, mas com certeza foi impulsionada por conta das redes sociais. Dos primeiros sites e blogs de brechós para os tradicionais grupos de WhatsApp, o crescimento nos últimos dez anos é muito forte e mostra o poder de relacionamento que as próprias redes sociais possuem. Porque não é só o fato dos produtos estarem mais visíveis, mas os negócios nesses espaços acontecem por conta da conexão entre as pessoas. É a prova concreta de que na internet você cresce se souber atender bem os desejos e as necessidades ou resolver as dores das pessoas. 
E tudo fica dentro do aceitável. É um bom exemplo, inclusive, de sustentabilidade porque você vende aquilo que não precisa mais, deixa de entulhar estes produtos em casa e outras pessoas terão acesso de forma mais em conta a todo tipo de bugiganga que talvez não pudesse adquirir em condições normais.
Bom seria se pudéssemos desapegar não só de coisas físicas, mas também de angústias, raivas, mesquinharias, medos e falta de sensibilidade humana. Bom seria, mas também não dá para querer tudo, não é? Fazer uma boa limpeza no guarda-roupa e ainda ganhar uma graninha para comprar mais ou viajar já ajuda muito! Viva o desapego! 
 

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