A vida no ato

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 09/07/2023
Horário 04:15

Existem pessoas que cruzam a vida da gente que ficam para sempre como uma espécie de rumo. Este é o caso do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, símbolo da resistência e crítica do teatro brasileiro.

O ano era 1979. Eu tinha apenas 15 anos e cursava o 2º ano do Colegial (como se chamava o Ensino Médio naquela época). Havia uma atmosfera política e cultural de muita ebulição no país. O Regime Militar andava em baixa e era intensa a campanha nas ruas pela “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita” para os presos e exilados políticos. Depois da volta das manifestações nas ruas, os estudantes reorganizaram a UNE, entidade proibida de funcionar pela ditadura. Tais acontecimentos transbordavam de energia para todos os cantos.

Era o tempo da eclosão de inúmeros grupos teatrais movidos pela criação coletiva: Asdrúbal Trouxe o Trombone, de Hamilton Vaz Pereira e Regina Casé; O Vento forte, de Ilo Krugli; O Ornitorrinco, cujos fundadores foram Maria Alice Vergueiro, Cacá Rosset e Luiz Roberto Galizia; O Pod Minoga, de Naum Alves de Souza e Carlos Moreno e o Mambembe, de Carlos Alberto Soffredini e Rubens Brito. Lembro do alvoroço que foi a encenação de duas das peças mais importantes dos anos setenta e até então proibidas: “Calabar” de Chico Buarque e Ruy Guerra e “Rasga coração”, de Oduvaldo Vianna Filho [Vianinha].

Foi numa dessas manhãs de domingo que eu seguia algum grupo de teatro de rua até a Praça da Sé que encontrei pela primeira vez o dramaturgo Zé Celso. Ele estava analisando o espaço da praça para a realização de uma intervenção teatral nas comemorações do Primeiro de Maio, que se aproximava. Encantado com aquela balburdia dos jovens mambembes, ele nos convidou para uma reunião que começaria no Teatro Oficina logo em seguida, o que foi aceito prontamente pela trupe. Ao chegarmos embalados pelas ladeiras do Bexiga, encontramos a casa lotada e envolvida numa seção de cinema. O auditório escuro encontrava-se pelo meio do filme “O parto”, produzido por Zé Celso no seu exílio em Portugal. As cenas do nascimento de uma criança, mescladas por registros do florescer da independência das colônias portuguesas e da Revolução dos Cravos, foram abruptamente interrompidas pela palavra de ordem de um morador de rua que havia acompanhado a turma: “Viva a liberdade! (o que foi prontamente respondido por um coro uníssono). Eu nem acreditava que estava ali no meio do teatro onde foi montado pela primeira vez o “Rei da Vela”, peça teatral de Osvald de Andrade!

Foi assim que me tornei assíduo frequentador do Oficina e de tudo que ele representa das potências da vida... Que viva o efêmero e o concreto, a vida no ato! Afinal, é preciso “atuar para poder voar”...

 

 

                               

 

 

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