Na caixa de som, uma canção do Chico: “Olha as minhas meninas. As minhas meninas, pra onde é que elas vão... Passam por mim e embaraçam as linhas da minha mão. As meninas são minhas. Só minhas na minha ilusão”. E fiquei lembrando do tempo em que o Natal em casa era uma bagunça danada. Tia chegando do Rio com histórias demais para uma noite só, crianças ensaiando um teatrinho improvisado, vozes se cruzando entre irmãos, primos, cunhados, genros. Nem sempre dava para reunir todo mundo; havia a diplomacia silenciosa entre sogros e sogras. Teve ano que a bagunça foi em casa. A turminha dormindo toda amontoada. Que confusão... É isso mesmo, festa de Natal eu aprendi cedo — só existe quando há crianças correndo pela casa, tropeçando nos próprios sonhos.
As minhas meninas, desde pequeninas, esperavam o Papai Noel como quem esperavam uma revelação. Durante anos, nunca desconfiaram que por trás do vermelho, das botas pretas e da barba branca postiça estava eu mesmo, um pai disfarçado de velhinho cansado de tanto fabricar brinquedos. Os olhos delas ficavam vidrados naquela cena quase cômica, enquanto minhas irmãs mais velhas comentavam, entre risos, a precariedade da fantasia.
É claro que nem todos os Natais foram bem-sucedidos. Teve uma noite de Natal que acabei brigando muito feio com o meu pai e fui embora mais cedo para casa. Houve também aquele inesquecível, na praia do Espírito Santo. Chegamos no dia da ceia, confiando na promessa do dono da pousada. Combinamos com as meninas que não haveria presentes: seria um Natal diferente, pés na areia, estrelas por testemunha. O erro foi subestimar a imaginação infantil. Elas acreditaram que aquilo era apenas parte do plano e que a surpresa seria grandiosa. Para partir ainda mais o meu coração, prepararam presentinhos feitos à mão, embrulhados com um cuidado indescritível, laço vermelho caprichado. Guardo até hoje o instante exato em que entenderam que não havia presente algum. O espanto, a decepção, o silêncio súbito.
E Chico continua a cantar: “Na canção cristalina da mina da imaginação. Pode o tempo marcar seus caminhos, nas faces com as linhas, das noites de não...” E a solidão? Maltratar as meninas? As minhas não! Pois é, pai também aprende a amar assim. Canto baixinho, como quem acalanta à distância. Vão levando destinos iluminados de sim. As minhas meninas, pra onde é que elas vão... Passam por mim. E embaraçam as linhas da minha mão. As meninas são minhas. Só minhas na minha ilusão”. Elas seguem, e eu fico, recolhendo as notas dessa canção que nunca termina.