Éramos felizes e sabíamos
Flávio Araújo
Foi um momento glorioso no futebol mundial. O maior atleta do século atingia em suas conquistas a incrível soma de mil gols. Foi exatamente diante desse Vasco que esta semana se viu frente ao campeão brasileiro do ano, Vasco que tem uma das histórias mais belas no esporte. Naquela noite, quem abriu o caminho para o negro ter espaço no futebol via o representante maior de todas as raças futebolísticas cobrando o alto preço devido por sua ousadia perpetrada seis décadas antes. O bem pagando com o mal? Não, o feito de Pelé foi glorioso demais em todos os sentidos, e se a mensagem que transmitiu na ocasião fosse ouvida, hoje teríamos escolas e não prisões.
Nesta semana, completou-se 46 anos desde que Pelé atingiu a marca dos mil gols. É comum que nesse dia seja eu despertado por amigos dos mais distantes lugares que querem me informar que a narração que tive a felicidade de fazer naquela noite esteja ecoando pelas emissoras do Brasil. A transmissão desse feito compensa as pedradas que a vida me dá. Valeu a pena e não esperava chegar a tanto. Pena que estejamos neste ano recordando este momento sublime com o planeta bola desfigurado.
A ira do fanatismo religioso explodindo a Cidade Luz. Os radicais islamitas da modernidade invertendo o roteiro dos Cruzados da Idade Média. Buscando repetir o que os mouros fizeram há 13 séculos na Península Ibérica. A insânia dominando a razão, desgraçando o belo mundo. E não só lá fora. Na infância dizíamos: "Calma no Brasil que a Europa está em guerra". A situação aqui está incontrolável e depois de tantos erros no comando da nação, incompetência e natureza unem-se para cobrar a fatura.
Mensalão, petrolão, a mesma lama que escorre de Minas ao oceano, matando um rio que não era apenas doce no nome. Do planalto só vem notícia ruim. Do Executivo ao Congresso, com o esguio e melífluo Eduardo Cunha desmentindo o indesmentível. Terá força nossa Justiça para consertar o que seus olhos cegos não veem, mas nós vemos?
O mais recente ex-presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) desfila nos corredores de seu luxuoso apartamento nova-iorquino, devidamente monitorado por uma tornozeleira eletrônica, enquanto seu sucessor não sai do Brasil porque também deve e teme. Vergonha das vergonhas nos 46 anos dos mil gols. Cumprirá a Justiça seu papel ou a impunidade é mesmo a realidade dos tristes trópicos? Sopesando e refletindo, me parece que é melhor que Matt Damon permaneça só e abandonado em Marte. Mesmo com as lembranças felizes, o hoje por aqui está pesando demais. "
Quosque tandem...?"
Flávio Araújo, jornalista e radialista prudentino escreve aos domingos neste espaço.
