Como a guerra na Ucrânia reflete na economia do oeste paulista?

Para o professor doutor de Relações Internacionais, Marcos Cordeiro Pires, aumento de custos será expressivo; além da alta dos combustíveis, região terá problemas com fertilizantes e trigo

REGIÃO - CAIO GERVAZONI

Data 12/03/2022
Horário 04:00
Foto: Folhapress/Freepik/Arte O Imparcial
Guerra entre Rússia e Ucrânia impacta na região
Guerra entre Rússia e Ucrânia impacta na região

A incursão militar russa na Ucrânia já se estende por 17 dias, quando, em 24 de fevereiro, o presidente da Rússia, Vladmir Putin, decidiu pela invasão do território ucraniano. Desde o início do conflito, Moscou tem recebido várias sanções por parte do ocidente e de blocos econômicos liderados pelos Estados Unidos e pela União Europeia. No Brasil, os impactos da guerra na Ucrânia já incidem, por exemplo, no preço dos combustíveis. Na quinta-feira, a Petrobras anunciou o aumento do preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha.
Para saber como os desdobramentos da guerra entre Ucrânia e Rússia refletem na economia do oeste paulista e se há possibilidade de vislumbrar um desfecho do conflito, a reportagem conversou com os professores de Relações Internacionais da FFC-Unesp de Marília (Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista), Marcos Cordeiro Pires e Sérgio Luiz Cruz Aguilar
De acordo com o professor Marcos Cordeiro, que também é coordenador do IEEI-Unesp (Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista), a região de Presidente Prudente, reconhecida por ter o agronegócio como motor econômico, será impactada de maneira brusca pelos desdobramentos da guerra. “O aumento de custos será muito forte, não apenas pela alta dos combustíveis, mas também pelo aumento do preço de fertilizantes, visto que a Rússia é um grande exportador desse insumo”, avalia Cordeiro. 
Segundo ele, a população ainda terá o impacto no preço dos alimentos, principalmente do trigo, já que tanto Rússia como Ucrânia são grandes exportadores dessa commodity. “Outros grãos também estão aumentando, como aqueles utilizados para forragem de animais. Para uma população que ainda não se recuperou dos efeitos da pandemia, a guerra veio para piorar a situação”, discorre o professor de Relações Internacionais. 

Impacto global

Cordeiro explica que o conflito no território ucraniano impacta fortemente a economia mundial, num primeiro momento, por conta do encarecimento, em nível global, da energia. Conforme indica o especialista, o “cancelamento” da Rússia do sistema financeiro Swift (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Mundial) impactará na organização das cadeias produtivas em todo globo. “A exclusão da Rússia do sistema financeiro afetará todos os seus parceiros, que num curto prazo não poderão se reorganizar para acessar novos fornecedores”, avalia. 

Desfecho do conflito

Questionado se é possível vislumbrar um desfecho do conflito a curto prazo, Cordeiro pontua que as negociações já estão em curso. “Irão resolver o maior problema para a Rússia, que é o ingresso da Ucrânia na Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], mas ainda ficarão muitas feridas abertas, como a própria integridade do território ucraniano”, explica. Para ele, o governo de Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, está sentindo na pele que não pôde se fiar nas promessas da Otan. “Pois se esta entrasse na guerra em seu apoio poderíamos ter uma catástrofe nuclear. Caso haja o desmembramento da Ucrânia por meio da criação das Repúblicas de Donetsk e Lugansk, a instabilidade com a parte ocidental do país continuará por muitos anos”, relata Cordeiro. 
Segundo o professor e coordenador do IEEI-Unesp, o horizonte mais provável é o reavivamento do contexto dos piores momentos da Guerra Fria, “mesmo porque, a mentalidade da Otan sobre a Rússia nunca, de fato, mudou, mantendo a lógica da Guerra Fria mesmo após o fim da União Soviética”. Por fim, Cordeiro avalia que neste contexto de “Guerra Fria 2.0”, a nova variável desta equação é a China, “que junto com a Rússia é vista como ameaça pelo governo dos Estados Unidos”.

Horizontes prováveis

O professor doutor Sérgio Luiz Cruz Aguilar compreende que a cartada de Putin, ao optar pelo conflito militar com a Ucrânia e investir seu capital político nessa jogada bélica, faz com que o presidente russo não dê passos para trás até a maior parte de suas reivindicações serem atendidas. “Então, uma solução a curto prazo só aconteceria se a Ucrânia aceitasse a separação das províncias do leste e a integração da Crimeia pela Rússia, além do não ingresso na Otan e a diminuição de suas forças armadas, algo que os russos chamam de desmilitarização. Isso porque nem a Ucrânia tem poder para fazer frente aos russos e ganhar militarmente o conflito, nem o ocidente demonstra disposição de se envolver diretamente na guerra”, pontua Aguilar, e completa que o ocidente só entraria militarmente no conflito em caso de um ataque da Rússia a algum país membro da Otan. “Seria catastrófico”, alerta ele. 
“Fora isso, a guerra se prolongará, uma vez que não imagino os russos capazes de controlar toda a Ucrânia, e a resistência ucraniana tende a crescer com o tempo e com a ajuda externa. A ocupação e a resistência podem durar anos, décadas. Nesse caso, a questão fica por conta de até onde vai a disposição do ocidente de efetivamente manter as sanções econômicas que pesam neles próprios e, ainda, até onde vai a disposição da população russa em apoiar uma guerra prolongada na Ucrânia”, avalia o professor Sérgio Aguilar sobre a possibilidade prolongamento do conflito
Ele acredita que, com certeza, haverá uma solução, e cita alguns exemplos de conflitos recentes, no entanto, expõe que não é possível esboçar algo, pois o período é de incertezas.  “Se vai ser no modelo de curto prazo como o da Geórgia, em 2008, que em uma semana aceitou um acordo após a invasão russa, ou se vai ser no modelo Afeganistão, a longo prazo, onde o grupo derrotado militarmente lutou 20 anos contra os interventores [norte-americanos] e retomou o poder, ou um meio termo, de médio prazo, onde ambos os lados encontram uma 'saída honrosa', aceitam algumas demandas e encerram o conflito invocando cada um a sua 'vitória'. Ou seja, não dá pra dizer ainda, o que vem da imprensa até o momento indica um cenário de incerteza”, conclui Aguilar. 

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