No ar, locutores bêbados (Hic! Hic! Hic!)

O Espadachim, um cronista que cutuca, mas não fura

OPINIÃO - Sandro Villar

Data 31/05/2020
Horário 05:31

Na cidade de Adamantina (SP), os moradores aguardavam ansiosamente o momento do encontro dos ponteiros do relógio, marcando 12 horas. É que ao meio-dia em ponto e vírgula, naqueles criativos anos 1960, começava na Rádio Brasil o programa do locutor que só falava bêbado. Por uma questão de respeito, visto que o personagem já foi embora deste mundo de ilusões, seu nome será preservado.

Um locutor de porre no rádio só pode mesmo chamar a atenção. O programa dava eco e apresso-me em explicar que a expressão “dava eco” quer dizer dava audiência. Os ouvintes se divertiam com o apresentador, ora agressivo, ora patético, que, ao contrário dos garotos da época, não amava os Beatles e nem os Rolling Stones.

Em São Paulo, um locutor da Rádio Record, que hoje reza dia e noite (a rádio, não o locutor), cismou, bêbado, que o relógio marcava qualquer número.

Uma noite, antes de ir pro estúdio, bebeu tanto num armazém de secos e molhados, onde a preferência é sempre pelos molhados, que se enrolou todo ao anunciar a hora certa. Assim que o operador de som abriu o microfone, ele não teve dúvidas e, com voz pastosa, mandou ver: "Em São Paulo, são 29 horas". Criou uma nova hora.

E um locutor de Presidente Prudente também se complicou na hora de dar a hora certa por estar de pileque. Nos anos 1980, ele trabalhava na Rádio Difusora, que também virou igreja eletrônica, e apresentava o programa noturno Música Sem Compromisso. 

Uma noite, no momento de anunciar a hora certa, assim falou: “Você ouve Difusora e Música Sem Compromisso. Em Prudente são 11 horas e 77 minutos”. Isso é que é hora certa sem compromisso com a exatidão.

Um caso famoso em São Paulo é o de um locutor noticiarista, também amante da bebida. Ele tinha verdadeira loucura pelo álcool, assim como certos políticos têm pelo poder. Será chamado aqui de Pantojas.

Uma vez chegou para apresentar o jornal falado de uma importante rádio paulistana e deu o maior vexame. Pantojas estava mais bêbado do que o João Canabrava.

Depois que o operador de som tocou a vinheta de abertura e abriu o microfone, Pantojas teria de fazer a apresentação de praxe. O operador esperou e nada. Ao ver o clássico aviso “No Ar” – ou “No Ara” como brincava Juca Amaral –, o locutor tentou se recompor. Não conseguiu e reconheceu, falando alto e bom som: “Maldita cachaça que não me deixa ler”.

E teve o dia em que o Pantojas interrompeu o trânsito na Avenida 9 de Julho. Bêbado, parou o carro dentro do túnel e dormiu a sono solto, se é que existe sono preso. Buzinaço e trânsito engarrafado na avenida.

Só algum tempo depois é que o policiamento de trânsito descobriu a causa do congestionamento. Quem estava “engarrafado” mesmo era o Pantojas, que roncava mais do que a cuíca da Vai-Vai. Acordado, não sabia onde estava. Foi multado e só não se complicou porque ainda não vigorava a lei seca.

O locutor protagonizou outro episódio hilário. Tarde de sábado, nada para fazer em casa, Pantojas resolveu beber num bar. A mulher dele tinha um cachorrinho poodle que era o seu xodó. E pediu ao marido para levar o cão junto, argumentando que o animal já estava ficando neurótico de tanto ficar no apartamento.

Meio a contragosto, ele resolveu atender a esposa. Botou o cachorro debaixo do braço, ligou o carro e saiu em disparada, pois estava doido para molhar a goela. Ao chegar ao bar deixou o cãozinho dentro do carro e foi beber com os amigos.

Logo depois o cachorro começou a latir, e os latidos passaram a incomodar. Pantojas não teve dúvidas: retirou o bicho do automóvel, afrouxou a coleira e o amarrou no para-choque traseiro. O cão se aquietou e ele voltou ao bar.

Lá pelas tantas, depois de tomar aquela e muitas que mataram o guarda e toda a corporação, o que explica a falta de policiamento na cidade, voltou para casa. Estacionou o carro, pegou o elevador e entrou no apartamento. “Cadê o cachorro?”, perguntou a “dona da pensão”. Pantojas respondeu com um “Ah!”. Desceu ao estacionamento e, atrás do carro, só encontrou a coleira.

Para tentar limpar a barra, que estava mais suja do que cueca de mendigo, ele teria inventado uma história: à esposa, explicou que havia deixado o cachorro em uma clínica veterinária e que o pegaria na segunda-feira. Para a mulher não desconfiar, seu plano era comprar outro cão da mesma raça, um quase clone do que morreu arrastado e esfolado no asfalto.

DROPS Olímpicos

Brasil, medalha de ouro em desigualdade social.

Os preços dos alimentos estão mais altos que salto com vara.

Só jogador de basquete alcança o preço do feijão.

Coisa esquisita: atletas heterossexuais também vão em busca dos louros da vitória.

Publicidade

Veja também