O varal e o prendedor 

Passeando e vagando por aí, observei os varais nos quintais e nas estradas, cheios de camisas listradas.  Roupas secando e dançando no ritmo do vento. O sol e o vento, companheiros do varal. Ah! Se o varal falasse! Quantas histórias por ali passaram. Os varais estão por todos os lugares. Quem não tem um varal em casa? Há varais nos prédios, nas sacadas, janelas, nos banheiros, nas suítes, estradas, rodovias, marginais, favelas e nos telhados. O rico e o pobre têm varal. O bandido e marginal, o rei e seu súdito, também têm varal. Todas as raças, sejam brancas, amarelas ou negras, têm um varal em casa. O cego e o bailarino também. 
O varal cheio de roupas coloridas, forma com o vento, a dança nas casas das margaridas. Há varais de luto, cheio de roupas pretas. Esses formam com o vento, dança nenhuma. Cúmplices, o vento e o tempo também, respeitam o luto da Preta. Do norte ao sul, leste ao oeste, lá estarão os varais no meio dos quintais. Como todo pobre coitado, o coitado do varal tem um inimigo. Dona Ada saiu desembestada, feito louca e alucinada, pela ameaça dos trovões e da chuva. Sol, vento e os prendedores são amigos dos varais. Já os trovões e a chuva, inimigos mortais. 
Coitada da dona Margarida, dona Preta, Durvalina e donas Emilias, lavam roupas todos os dias e que agonia! Haja varal! O varal é fiel e sigiloso. Nunca testemunhei nenhum conflito. Ele alberga todo tipo de roupas, sem preconceito e racismo. E ainda guarda segredos de narrativas entre a camisa e o soutien, calcinha e cueca, batina, véu e gravatas, casaco, cachecol e echarpes, enfim, quantas histórias teria o varal, se fosse investigado! E ainda, virou varal solidário. Que fantástico! Também é amigo do homem. 
O varal é muito autônomo e independente. Dono de si, sem voracidade, ciúme, inveja e ódio. Ele é libertador e desapegado. Seu amigo “prendedor” é seu cúmplice. Por tempo limitado, num vai e vêm, uns chegam, outros vão. Ele é sociável, solidário, tranquilo e conformado. O varal conhece bem a transitoriedade e a finitude. A roupa tem prazo de validade. Aproveita a música e dança muito, com cada roupa que se prende a ele. Freud (1915) nos diz: “O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição”.
 

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