Política de balcão

OPINIÃO - Helber Henrique Guedes

Data 15/11/2025
Horário 05:00

O poder, antes de ser um cargo ou um título, é um lugar simbólico. É o balcão onde se negocia o sentido das coisas.
No campo da cultura, esse balcão se manifesta nas instâncias de decisão — conselhos, secretarias, gabinetes, editais — onde o que deveria ser espaço de escuta e mediação acaba se transformando, muitas vezes, em espaço de controle e de troca. E é aí que o poder se revela: não apenas como capacidade de agir, mas como capacidade de intermediar — de dizer o que vale e o que não vale, o que é “arte” e o que é “projeto”.
Como lembra Campos (2012), “o balcão pode ser pensado como o lugar simbólico de intermediação dentro de um espaço social”. No caso da cultura, esse balcão tornou-se o ponto de tensão entre o produtor e a comunidade, entre quem faz e quem autoriza, entre o sentido que nasce na rua e aquele que é negociado no gabinete. E o que está em jogo em Presidente Prudente é exatamente isso: quem está do lado de cá e quem está do lado de lá desse balcão simbólico.
Porque o que deveria ser mediação virou muro. E o que deveria ser troca virou negligência.
Não é a primeira vez — e certamente não será a última — que trago este debate a esta folha. O que está acontecendo, no campo da gestão cultural, não é um episódio isolado: é um sintoma do modo como o poder tem sido exercido.
Mas não falo aqui do poder que nasce dos grupos, dos coletivos, dos agentes culturais ou das redes de participação social. Falo de outro tipo de poder: aquele que busca deslegitimar o que é coletivo, o que é partilhado, o que dá sentido ao próprio fazer cultural.
Vemos uma lógica de desvalorização das construções coletivas e a ascensão de uma política baseada em negociações individuais, que enfraquece o trabalho realizado há décadas nesta cidade e quando olhamos o cenário das políticas culturais de Prudente, o que se vê é um retrocesso histórico, um retorno à política de balcão — aquela que serve a conveniências, ou interesses de momento, a trocas que reduzem a cultura à moeda eleitoral.
Trata-se de uma narrativa que não nasceu do suor, da resistência ou do amor de quem constrói cultura todos os dias. É uma história contada de forma artificial, sem a legitimidade das ruas, dos coletivos, dos pontos e pontões — como o Galpão da Lua e tantas outras experiências que fizeram de Prudente um território pulsante de cultura.
O que tem se criado não é um espaço de escuta, mas um espaço de controle, onde o dissenso é visto como ameaça e o debate é sufocado por vaidades. Mas divergência não é briga. Divergir é parte da democracia, é o que faz avançar.
O papel de um gestor público não pode ser o de fragmentar relações em torno de afinidades pessoais, porque política pública não é sobre amizade: é sobre direito.
Apoiar artistas individualmente nunca foi o problema — é, aliás, parte da valorização do trabalho cultural. O erro é transformar isso em instrumento político, em moeda de controle. Quando o apoio se torna seletivo, o diálogo deixa de ser coletivo e vira monólogo de poder.
Prudente precisa reencontrar seu caminho.
As ruas já pedem isso.
Os coletivos também.

Referências sugeridas 
CAMPOS, Márcio D’Olne; BORGES, Luiz Carlos. Percursos simbólicos de objetos culturais: coleta, exposição e a metáfora do balcão. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 7, n. 1, p. 113-130, jan.–abr. 2012.
 

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