Doação de órgãos: gesto de amor que salva vidas 

Três relatos: o primeiro, de um irmão que conta as nuances da decisão de doar os órgãos do caçula; o segundo, de uma mulher que espera um transplante; e o terceiro, de um doente renal crônico transplantado 

PRUDENTE - MARCO VINICIUS ROPELLI

Data 16/10/2020
Horário 04:30
Cedida - Foto de antes da pandemia: Ana Carla durante a hemodiálise participa de amigo-secreto 
Cedida - Foto de antes da pandemia: Ana Carla durante a hemodiálise participa de amigo-secreto 

“Para que se possa captar um órgão, é necessário que o paciente esteja em morte cerebral. Após a constatação da morte cerebral, reunimos a família para comunicar o óbito do seu ente querido. Após este ato, a equipe de transplante entra em cena e tira todas as dúvidas a respeito do processo vivido. Após, é oferecido à família a oportunidade de doar. Se aceitarem, segue o andamento do processo de captação, que dura, em média, 24 horas”. 
Acima está o rito que vai da dor a uma das maiores formas de amor ao próximo possíveis, descrito pelo médico coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Presidente Prudente, Carlos Eduardo Bosso.
Foi isso que viveu, no HR (Hospital Regional) Doutor Domingos Leonardo Cerávolo de Presidente Prudente, Wellington Bezerra da Silva, 30 anos, irmão do jovem William Bezerra da Silva, 21 anos, que morreu em 20 de agosto, depois de um acidente de motocicleta no dia 16 do mesmo mês.
Wellington conta que fora difícil para ele, para o irmão, Wanderson Bezerra da Silva, e mãe, Adelaide Arce, aceitarem a morte cerebral do caçula, constatada pelos médicos. “Ele estudava Fisioterapia, trabalhava, tinha planos”, relata. 
Durante o momento de dor, da forma como narrou Bosso, uma equipe de psicólogos, enfermeiros e demais profissionais abordaram a família, dizendo que William era saudável e que a doação de seus órgãos poderia salvar muitas vidas.
“Antes de casar, eu morei com ele, e me lembrava que em algum momento ele disse que queria ser doador de órgãos – conta Wellington -, além disso, depois que soube do falecimento dele, uma amiga da faculdade entrou em contato com a gente e disse que ele queria mesmo doar órgãos e até iriam fazer uma carteirinha de doadores, mas não deu tempo”.
A família não teve dúvidas. Fizeram a vontade de William e souberam que com o gesto de dignidade humana sete vidas foram salvas. “O que morre é a carne. A alma e a história nunca vão morrer. Sabemos que o coração dele está batendo. Desejamos que aqueles que receberam seus órgãos aproveitem a vida com saúde e esperamos, um dia, conhecê-los”, ressalta. 

O QUE MORRE É A CARNE. A ALMA E A HISTÓRIA NUNCA VÃO MORRER
Wellington Bezerra da Silva

Um pedaço de vida

Diabética há 29 anos, renal crônica há nove e na fila de espera para transplante por um rim e um pâncreas há oito, Ana Carla Bussolani Araújo, 41 anos, revela algumas angústias de sua vida cotidiana: “O mundo é injusto, penso às vezes: para eu viver, alguém precisa morrer”. Ela sabe, porém, que a morte é inevitável, mas a doação é uma escolha, sendo a vida, sua consequência. 
Nove anos em sessões de hemodiálise, Ana Carla, atualmente, realiza o procedimento três vezes por semana, com quatro horas diárias. Mesmo neste calor da região, não pode beber água abundante, sob o risco de líquido nos pulmões (que causa falta de ar) e no coração (que pode levar até a um infarto). Mata a sede com pedras de gelo enquanto aguarda a compatibilidade. “Espera longa e difícil. São dias bons, dias ruins e dias em que perco a esperança”, relata.
Mesmo assim, Ana é um exemplo de resiliência. Acredita na informação como caminho de conscientização da população para doação de órgãos. “É muito difícil para a família ver que um ente ainda está quente, com o coração batendo. Ela não entende que o cérebro está morto e ele está vivendo apenas pelos aparelhos. Eu entendo, isso. Por isso é importante as pessoas falarem que são doadoras”, pontua.
Enquanto Ana aguarda estes “pedaços de vida”, o empresário Luiz Mussa, 56 anos, se felicita pela sorte que teve. “Faz cinco anos, recebi o órgão de doador vivo, minha esposa Maria de Lourdes, Lika, em um ato de fé e amor, fomos compatíveis”, conta. Depois disso, a vida que era atribulada por restrições alimentares, voltou a ser normal. “Mudou para melhor”, ele diz. 
“Mas as outras histórias de pacientes que necessitam de transplantes e de longa espera, as filas são grandes, e o transplante esperado, em muitas vezes, não acontece. As famílias ainda, no momento de dor e perda, dificilmente se manifestam para doação de órgãos de entes queridos.  Por isso a importância das campanhas de doação, a informação e esclarecimentos. Isso faz diferença”, destaca Luiz.

Fotos: Cedidas

histórias de doação de órgãos em presidente prudente
Família exemplo: da esquerda para direita, William (in memorian), Adelaide, Wanderson e Wellington

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Lika e o marido Mussa, que carrega com ele uma parte dela: o rim doado 

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