Palavra, poesia e sofrimento

OPINIÃO - Saulo Marcos de Almeida

Data 22/06/2021
Horário 05:00

Todos esses que estão aí atravancando 
meu caminho... Eles passarão
Eu passarinho!
Mário Quintana  

Tenho uma relação afetiva com as palavras, não vivo sem elas! Sobretudo aquelas que, devagarinho e em doses cotidianas, vêm até mim, como a visita dos pássaros que adornam os quintais e os Quintanas. 
Palavras não para serem pensadas, mas comidas como o alimento diário que sustenta o corpo para a lida da vida. Será por isso que Jesus, em pleno deserto e solidão, tenha dito com objetividade e santa provocação: “Nem só de pão vive o homem”? 
Quero sempre as palavras comigo e em “meu caminho... Eles passarão. Eu passarinho”!
Tenho uma relação de subserviência com a palavra que constitui a minha travessia e indica-me a esperança gestada no verbo: Palavra que se fez carne e habita comigo. Jesus, o Cristo, pão da vida!
Palavra para além das certezas e convicções que brotam na história e semeiam a gratuidade do amor, que de tão belo e singelo: “sofre, crê, espera e tudo suporta”. Trechos pequenos e sagrados de uma linda poesia que eterniza o mais nobre sentimento, capaz de emudecer Machado de Assis em toda a sua relevância literária, diante da beleza da linguagem amorosa resultante do encontro humanamente divino e divinamente humano. 
Será por isso que Barthes questionava tanto ao perguntar: “Nunca lhe ocorreu ler levantando a cabeça”?  Quero sempre a Palavra comigo e em “meu caminho... Eles passarão. Eu passarinho”!
Tenho uma relação de refúgio nas palavras, principalmente, quando o sofrimento bate à minha porta e humanamente sou tentado a jogar a toalha e abandonar o barco que navega nem um pouco cauteloso no mar da vida. 
O sábado que não aguardava em momento algum. De repente não mais que de repente, aparece com a força da informação/palavra: 500 mil pessoas no Brasil morreram de Covid-19 transformando a existência verde e amarela em enorme luto coletivo. 
Recorro às palavras, principalmente, às poesias que em minha carne fazem moradia solicitando de mim a força necessária para prosseguir... “Os bosques são belos, escuros e profundos; mas tenho muitas promessas a cumprir e milhas a percorrer antes de se poder dormir”. Sim, antes de se poder dormir. 
As palavras que se apresentam como sustento/fonte bendita no meu cotidiano informam que, no horizonte que escurece, há sempre um alvorecer que aguarda contra toda a desesperança, indicando que é preciso caminhar e que as respostas às agruras da presente vida não respondem, mas fazem prosseguir! 
Nas entranhas da minha alma, permanência de meu inconsciente e consciente concreto de que existo em meio às precariedades da vida, as palavras do Mestre que me ordenam a continuar sempre: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo! Eu venci o mundo”!
Que venham as palavras doces como o mel e o destilar dos favos para que eu suporte os tempos difíceis da vida!
Quero sempre a Palavra comigo e em “meu caminho... Eles passarão. Eu passarinho”!
 

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